Por que rolamos atrás do queijo?

eu (destacado), no começo da corrida atrás do queijo rolante
eu (destacado), no começo da corrida atrás do queijo rolante

É uma tarde de segunda-feira nublada de maio em Cooper’s Hill, Gloucestershire, um condado no sudoeste da Inglaterra. Quase quatro quilos de queijo quicam alegremente na grama, morro abaixo. Uma horda de corpos humanos caem atrás dele, como bonecos de pano, deixando ombros deslocados, pernas quebradas e costelas trincadas. As pessoas só conseguem parar de rolar realmente no final da ladeira, aonde um grupo de jogadores de rugby voluntários seguram os competidores e começam a cuidar dos ferimentos mais graves. Aquele que chegar primeiro é o grande vencedor e tem para si o queijo da vitória.

A Cheese-Rolling Race, ou Corrida do Queijo, é um evento anual e histórico. A tradição é centenária e ninguém sabe dizer ao certo quando começou. Acredita-se que o evento era parte das celebrações pelo início da Primavera. Relatos sugerem que rolar coisas de um barranco era um hábito pagão e que pessoas correm atrás de queijos pelo menos desde o século XV.

De 1941 a 1954, devido ao racionamento de comida por conta da Segunda Guerra Mundial, os organizadores tiveram que construir um queijo de madeira com um pequeno pedaço de queijo de verdade dentro – a única permissão concedida na época pelo Ministério da Comida para a corrida. Quando queijo de verdade pôde finalmente voltar a ser usado, um queijo especial de 18 quilos foi especialmente produzido para o evento.

A tradição continuou ano após ano, sendo organizado por voluntários da região e voltado para os próprios moradores das redondezas. Até 2009, quando mais de 15000 pessoas compareceram para o evento. Questões de saúde e segurança passaram a preocupar as autoridades locais que decidiram cancelar oficialmente o evento de 2010.

Livros para colorir para adultos

De tempos em tempos, uma nova moda velha aparece, algo que sempre esteve por aí, espalhado, no fundo de um brechó ou exposto claramente em vitrines pela cidade, mas que o mundo sempre preferiu ignorar ou não viu o potencial naquilo.

A moda da vez são os livros para colorir para adultos. Eu não julgo; honestamente, acho até bem divertido. Quem sou eu para julgar, afinal, estando no comando de um personagem de quadrinhos fracassado, eu tô sempre desenhando e colorindo por aí…

O que me irrita é a falta de percepção desses editores em conhecer seu público alvo.

Por que diabos os livros de colorir para adultos não seguem uma temática adulta? Por que são flores, castelos, jardins, borboletas, essas coisas infantis que, convenhamos, são piegas e todos nós já passamos da época? Por que não imbuir atividades lúdicas condizentes com a idade e vida miserável que nós, pobres adultos levamos no nosso dia a dia? Que tal permitir aos adultos colocar um pouco mais de cor na cracolândia? Que tal dar uma atividade de redecorar um escritório de advocacia como se fosse regido pelo Clovis Bornay?

Roteiro da baixa gastronomia – edição África

Um guia com os piores lugares para se comer mal sem gastar muito pelo mundo

Kigali – Ruanda
Refeição para dois
Custo total: 5600 Francos ruandeses (cerca de R$20)

Em algum lugar na Old City de Kigali, próximo à KN144 Street, aonde homens saem com seus cabritos para passear e mulheres carregam com destreza toneladas em suas cabeças, fica este pequeno restaurante caseiro completamente não-turístico e tipicamente africano. O lugar é uma casa miserável, com mesas de madeira e cadeiras de plástico. O forro do teto apresentava diversas infiltrações visíveis e um buraco permitia ver o telhado, com um raio de luz do sol penetrando o ambiente.

Na entrada, numa tentativa de combater a cólera, um barril azul com uma torneirinha está disponível para os clientes lavarem as mãos, despejando a água em um balde – que provavelmente volta ao barril depois.

kigali
Restaurante sem nome de Kigali

Cheguei ao lugar com meu guia e host, Patrick. O menu é inexistente e o prato é aquele que tem no dia e você já deveria se dar por satisfeito por estar comendo. E comendo bem: Eram quatro ou cinco pratos, um com arroz, um com batatas, um com meia costela e pata de frango e outro com outra costela e a asa da ave. Nada de carne de peito para nós. Folhas de cassava completavam a refeição. Para conseguirmos separar a comida em pratos individuais, tivemos que trabalhar numa readequação dos alimentos, jogando as fritas em cima do arroz, espalhando as batatas pelos outros pratos e misturando tudo de forma irremediável.

Ditadores Africanos

Na escala da insanidade, há uma série de categorização de malucos que podemos ordenar:

  • O normal
  • O levemente insano
  • O pessoal que coloca o arroz por cima do feijão nos self-services
  • O maluco de pedra
  • Eu
  • Eleitores partidários
  • Salvador Dalí
  • Ditadores africanos

Estudando a história da África, é fácil ficar abismado com o nível de insanidade desses ditadores e chefes que comandaram o continente. São personagens tão únicos que é de se duvidar que realmente existiram, mais parecendo terem sido tirados de alguma obra de ficção cômica, de algum autor sarcástico, como Douglas Adams ou Terry Pratchett. Entre esses ditadores, destacam-se:

Mobutu Sese Seko

mobutu

O rapaz na foto, usando um belo chapéu de pele de onça (que, em combinação com os óculos de aro grosso, acabou virando sua marca) e uma roupa colorida é Mobutu Sese Seko, antigo ditador do Zaire. Depois de uma série de golpes de estado, assumiu o poder do Congo em 1965, colocando em exílio o presidente que ele mesmo tinha ajudado a eleger.

Vida de caroneiro – Parte 2

Leia a primeira parte aqui!

A minha primeira experiência tentando pegar uma carona se deu em Portugal, em 2011. Com a idéia de visitar a cidade de Fátima, fiz o que qualquer turista desavisado faria em meu lugar: peguei um trem até Fátima. O problema é que a estação de trem fica a aproximadamente 20km da dita cidade e perdida no meio do nada (antes de chacotear os lusitanos, lembre-mo-nos que a estação Consolação fica na Paulista e a estação Paulista fica na Consolação).

Fátima. Tá vendo?
Fátima. Tá vendo como é no meio do nada?

Sem dinheiro e sem ânimo, permaneci com meu dedão esticado sob um sol relativamente abusivo na beira da estrada deserta que levava até a estação. Felizmente, não fiquei lá por muito tempo e fui logo levado por um português camarada a Ourém, que não era o destino final, mas ao menos tinham ônibus para completar o trajeto desejado.

A minha maior e melhor experiência de caronas, entretanto, foi (quase) completamente planejada.

Na época que eu morava em Paris, tive a idéia de visitar uma grande amiga em Rennes, a aproximadamente 340km de distância. Dinheiro, como sempre, era um grande problema e, tendo voltado de uma viagem pelo leste europeu aonde conheci uma garota que estava viajando de carona desde a Ucrânia, simplesmente pensei que, se uma alemãzinha adorável consegue viajar de carona na Romênia, eu também devo conseguir na França.

Vida de caroneiro – Parte 1

Na beira da estrada, com uma mochila nas costas, uma placa na mão e um dedão levantado. Paciência, sorte e um pouco de coragem. A carona é uma arte menosprezada por aqui, mas é reconhecidamente um dos meios mais baratos (e demorados) de se viajar em lugares como Europa, Estados Unidos ou Austrália.

Em países como a Alemanha, ela é tão organizada que existem até serviços que ajudam caroneiros a se encontrar com motoristas (como o Mitfahrgelegenheit – http://www.mitfahrgelegenheit.de/). Em muitos países, porém, a carona é ilegal, o que não quer dizer que ela não exista – aonde há um mochileiro tentando viajar, há um dedo em riste na beira da estrada.

Uma placa na mão, um dedo levantado e paciência...
Uma placa na mão, um dedo levantado e paciência…

Minha primeira experiência com caronas foi inusitadamente do lado do motorista (mas do lado inglês, diga-se de passagem). Durante uma viagem à Nova Zelândia, com minha prima, alugamos um carro e saímos de Christchurch em direção ao belíssimo Lake Tekapo. Logo na saída da cidade, assim que pegamos a estrada, vimos no acostamento dois jovens estilo hippie, cabelos dignamente despenteados, roupas largas e chinelos. Tocavam violão e mantinham a seus pés uma placa indicando o destino: uma cidadezinha que, pelo que podíamos ver no mapa, ficava na região de Ashburton, meio do caminho para nós.

A Convenção de Kitzbühel

Era uma quarta-feira, 05 de julho, quando meu avião vindo de Estocolmo pousou em Munich.

Ridiculamente linda cidade.
Kitzbühel: ridiculamente linda cidade.

Viajava a trabalho, vindo de um projeto na Suécia para uma convenção na pequena cidade de Kitzbühel, na Áustria. A empresa que me empregava em Londres havia comprado uma outra pequena companhia alemã de envio de e-mails, e essa convenção foi organizada de forma que ambas se conhecessem. O encontro envolvia praticamente toda a equipe da empresa comprada e uma pequena parcela da alta cúpula da multinacional aonde eu trabalhava, incluindo todos os meus superiores europeus – por algum motivo obscuro, eu também estava nessa seleta lista de importantes empresários.

Assim, no aeroporto de Munich, um ônibus fretado esperava funcionários vindos de várias partes da Europa, para partir estrada afora rumo à Áustria, aonde um hedonista hotel cinco estrelas (ou algo próximo disso) estaria nos aguardando para que aproveitássemos de suas confortáveis almofadas e jardins com vista para os Alpes sob o pretexto de estarmos trabalhando. Essa é a vida da alta cúpula empresarial européia (que, por sinal, eu abandonei para vender cerveja na Lapa).

Alguns pequenos atrasos nas chegadas fizeram o ônibus atrasar um pouco sua partida. Um inconveniente trânsito na E45 e uma conveniente parada em um posto de gasolina para comprarmos cerveja causaram um atraso ainda maior e fizeram com que chegássemos no hotel aproximadamente duas horas depois do previsto.

“Como estamos bem atrasados, vocês somente deixem suas malas nos quartos e já desçam até o restaurante para o jantar, antes que ele feche.”, disse meu chefe enquanto todos fazíamos o check-in. Eu, porém, tinha algum e-mail importante e fútil para responder (eu sei que era importante porque eu posterguei um jantar gratuito para respondê-lo e eu sei que era fútil porque eu não me lembro o que era), e fui praticamente o último funcionário a chegar no restaurante. Naquela altura, todas as mesas já estavam praticamente ocupadas e o único lugar vago era na mesa dos chefes.

Como sempre fui integrante assíduo da baixa classe de proletariado e como provavelmente eles estariam falando de trabalho, me incomodou um pouco aquele assento. Três níveis hierárquicos acima de mim dividiam a mesa e, por mais que eu insista que não me importo com autoridades, tentei manter uma pose e comportamento respeitáveis. Em vão, obviamente.

Agrega valor
Agrega valor

Fui até o buffet self-service, aonde travessas ainda alinhavam-se convidativamente. Peguei um dos pratos de uma pilha disponível na mesa de saladas e mesmo ele parecendo muito pequeno, era o único que eu tinha em vista naquele momento. Me servi de alfaces, tomates e passei para a bancada com os pratos quentes. O problema é que os nomes de todas as comidas estavam em alemão e, apesar de saber o que é bier, chucruts e wurst, a variedade oferecida iria desafiar muito mais a minha habilidade de ler amontoados de consoantes aparentemente sem sentido. Fui me servindo, então, de forma aleatória. Peguei um salsichão branco (alguma-coisa-wurst) e um punhado de alguma carne. Me servi também de uma colherada de um macarrão-parafuso que me apeteceu e, na falta de tempero, joguei por cima o molho vermelho ali do lado da travessa, que, obviamente, só podia ser molho de tomate.

Chegando no final da bancada, antes de voltar, uma surpresa. Do outro lado, tendo passado desapercebido por mim, estava o começo do buffet. Na afobação de ir buscar comida antes que o restaurante fechasse, eu não tinha visto aquela seção. Nela, haviam as entradas, pães, uma variedade ofensiva de queijos e, obviamente uma pilha de pratos adequados. Se eu tinha achado meu prato pequeno, era porque aquele era o prato para saladas – que, num lugar tão garboso, evidentemente não devia ser colocada no mesmo receptáculo que a comida quente. O que fazer numa situação dessas? O espírito pedreiro recomendava simplesmente virar o conteúdo daquele prato minúsculo em um prato decente e esconder meu prato de saladas usado debaixo da toalha. O requinte me impediu de fazer maiores estultices em um lugar tão fino, então mandei às favas os pratos maiores, adicionei ainda algum queijo mal-cheiroso no topo de minha montanha de comida alemã e voltei à mesa da chefia, imaginando que meu minúsculo prato amontoado de todos os estilos gastronômicos misturados iria me colocar em meu devido lugar, uma camada abaixo de meus chefes elitistas com sua autoridade demonstrada pela linha de porcelanas adeqüadamente maior.

Ainda me levantei uma vez mais para pegar um copo e aproveitar-me da jarra de suco de laranja que estava em nossa mesa. Peguei então uma taça que estava em meio a outras em uma mesa próxima. E, já que estava com o prato errado, para combinar, quando retornei percebi que estava com o copo errado também, e, enquanto todos tomavam suco em copos baixos e retos, eu me servia no que agora eu via que era uma taça de vinho, numa combinação um tanto quanto pitoresca com meu prato minúsculo.

Como se isso não bastasse, minha refeição pareceu ainda mais ridícula quando eu percebi que o suposto molho de tomate que coloquei em cima do macarrão e da salsicha era, na verdade, geléia de framboesa. Por sorte, meus chefes europeus deviam estar acostumados a culturas ridículas e não teceram comentários sobre minha peculiar combinação de sabores e porcelanato, demonstrando assim uma elegância coerente ao cargo que ocupavam. Eu, porém, me sentia num episódio de Mr. Bean, onde qualquer comentário ou ação que eu tomasse só aumentaria a vergonha alheia de minha situação.

Pelo menos, os outros dois dias a trabalho na Áustria se mostraram divertidos e produtivos, numa excelente combinação de tardes de palestras e reuniões com noites de baladas fechadas e jantares suntuosos. Após esse primeiro jantar, tentei manter novamente uma certa distância da alta hierarquia da empresa e, o máximo de babaquice que eu conseguir fazer durante o resto de nossa estadia foi derramar vinho tinto na camisa do gerente europeu.

A essa altura, eles já deviam saber que é prudente tomar uma certa distância de mim.

Até os manequins austríacos parecem contrariados com minha presença.
Até os manequins austríacos parecem contrariados com minha presença.

 

Roteiro da baixa gastronomia de São Paulo #1

Um guia com os piores lugares para se comer mal sem gastar muito em São Paulo

Evite tirar fotos muito próximas do local
Evite tirar fotos muito próximas do local

Churrasco Grego
Largo do Paissandu, 19 – centro
Um churrasco grego com suco
Custo total: R$1,50

Empoleirado na soleira da porta de uma lanchonete, atrás da Igreja dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu, e com uma monumental vista para os suicídios de jovens na Galeria do Rock, encontramos este nobre e minúsculo apêndice de toldo azul com sua carne eternamente giratória. 

Lá é possível degustar o tradicional churrasco grego, sempre acompanhado com um serviço de entretenimento promovido pelos mendigos locais. O mendigo que nos atendeu alcunhava a si mesmo de “vagabundo do delegado” – sendo “vagabundo” um substantivo. Ele iniciou sua aproximação me jogando um beijo ao vento e cuspiu (algumas vezes literalmente) toda sua sabedoria sobre como as mulheres só causam problemas e eu devia me livrar da minha – o que já demonstra que talvez não seja uma boa idéia levar sua garota para um jantar romântico no local.

Não há opções vegetarianas. Nossa escolha foi o único lanche disponível, na versão com vinagrete – este que fica armazenado à temperatura ambiente, na mesma gaveta de onde o vendedor lhe devolverá o troco. O sanduíche foi meio decepcionante, parecendo muito menor do que devia, mas com uma relação custo-benefício que vale a pena. Os clientes têm à disposição, além dos agüados condimentos básicos (ketchup e mostarda), um balde com um molho de pimenta caseiro, a ser depositado no pão com uma colher de pau compartilhada por todo mundo. Apesar de bem temperado, é recomendável evitá-lo – e me refiro não só a não experimentar o molho, mas também a se manter a uma certa distância dele.

A cortesia da casa fica por conta refil de suco. Pelo menos o responsável não parece se importar com os clientes reabastecendo seus copos na refresqueira. Também não podemos dizer que seja um primor de suco: não passa de uma água com açúcar e corante, mas que provavelmente deve cair muito bem se acompanhada por vodka (leve a sua de casa).

Um adesivo colado no toldo indica a área de fumantes (a 15km dali, indo em qualquer direção). A ausência de guardanapos decentes também é um problema, além do público ligeiramente pessimamente apresentável. A única garota em um raio de dois quilômetros do local foi a que eu levei e que ainda pagou por minha refeição (o que também é uma indicação do porquê que meus relacionamentos nunca duram).

***

Rei do Salgado
Um público variado a qualquer hora do dia

Rei dos Salgados 
Rua Dom José de Barros, 144 – centro
Um rissoles e uma coxinha
Custo total: R$1,00

Se o centro de São Paulo fosse um ser vivo, este nobre lugar estaria localizado no que seria o seu rim.

Nesta casinha de aproximadamente 15m², o que imediatamente nos chama a atenção são duas faixas anunciando salgados a R$0,50 e sua inusitada decoração com azulejos pintados de laranja, que por algum motivo me fez lembrar um Crocs.

Do lado oposto à porta localiza-se o espaço gourmet, que na verdade é apenas uma bancada de vidro onde dezenas de salgados espremem-se e amontoam-se ali de forma desordenada e aleatória como minhocas em um minhocário (a comparação pode parecer meio nojenta, mas as minhocas não se importam).

Pedi um rissoles (R$0,50) e uma coxinha (R$0,50). Ambos devem ter sido feitos naquela semana mesmo e reaquecidos todas as manhãs, aonde ficam no vidro lentamente resfriando-se, o que dá um sabor todo especial às iguarias. Nas laterais do estabelecimento, um balcãozinho de aproximadamente 20cm de largura permite que os clientes comam por ali mesmo, em pé. Numa das paredes, um espelho permite que eles vejam a si mesmos comendo e dessa forma repensem completamente a própria vida.

A consistência do ketchup era o que podíamos chamar de surpreendente. E o mesmo adjetivo pode ser dado à textura do salgado. O público é do mais variado: enquanto camelôs esbravejavam impropérios na rua, uma colombiana se confundia toda com a grande variedade oferecida. Uma criança esperneava por um pastel (R$1,00), que era da metade do tamanho do pastel de R$2,50 ali perto.

Corajosamente, engoli os dois salgados a seco, o que foi um problema porque a massa cria uma consistência autocolante. Provavelmente, cinco ou seis salgados são o suficiente para colar completamente sua boca e entupir suas vias respiratórias.

***

Pastel a 2.50
Pastel a 2.50

Pastelaria Imperial
Avenida Prestes Maia, 72 – Anhangabaú
Um pastel e um caldo de cana
Custo total: R$4,00

Extremamente bem localizado, no coração do Vale Anhangabaú – saindo do metrô São Bento, no terceiro morador de rua à esquerda -, se localiza esta nobre casa: um amplo salão bem iluminado, repleto de pequenas mesas de madeira rodeadas por cadeiras de plástico. O chão é sujo como um deputado federal – talvez com um pouco menos de luz, a porquice poderia passar levemente mais despercebida. As paredes são decoradas com duas grandes imagens de temática nipônica, o que ajuda a reforçar aquele esteriótipo do japonês pasteleiro.

Uma chamativa faixa anuncia ao vale a grande especialidade da casa: Pastel de feira a R$2,50. O preço é o mesmo há pelo menos oito meses, o que deveria descaracterizar o anúncio de “promoção” que a faixa ainda carrega. Dentro, uma placa ameaçadora destaca o fato que é proibido consumir ali alimentos trazidos de fora. O banheiro para não-clientes custa R$1,00 – vinte e cinco centavos mais barato do que comprar um salgado e virar cliente.

Não perca tempo maravilhando-se com o carrossel de sabores que a casa oferece. Vá até o balcão e veja quais bandejas ainda restam. Talvez pela popularidade da casa ou por preguiça do pasteleiro, o cardápio nunca se encontra 100% completo.

Uma vez escolhida a iguaria a ser degustada, paga-se primeiro no caixa, demonstrando uma inteligentíssima falta de confiança no cliente. No fundo do estabelecimento, um espaço gourmet self-service apresenta uma ampla variedade de salgados ao preço de R$1,25 cada um.

Optei por um pastel de carne com queijo (R$2,50) e 300ml de caldo de cana (R$1,50). Aceita-se cartões de crédito.

O pastel, frito na hora (uma vantagem em relação às outras casas, acredite!) tem um sabor bem justo. O recheio tinha uma porção honesta de queijo, porém já vi refeições vegetarianas que tinham mais carne. Ele fica ainda melhor se você não colocar os condimentos da casa: o ketchup é doce e a mostarda azeda. Galões de ketchup e mostarda repousavam ameaçadores em cima do balcão (são da marca Lanchero, caso alguém se interesse).

O caldo de cana peca na falta de personalidade, mas ganha na personalização. É possível definir quantas pedras de gelo você quer e quanto de suco de limão deve ser adicionado ao seu drinque. O meu copo veio com um pequeno inseto alado flutuando no líquido verde, o que só evidencia a pureza da cana utilizada. Os canudos são todos embalados individualmente, num inexplicável arroubo de higiene.

Com um público eclético (é possível ver pedreiros, mendigos, engravatados e famílias), preços atrativos e uma qualidade próxima do mediano, é uma boa pedida para quem tem mais fome do que dinheiro.

***

+ MAIS +

Outros roteiros:

Roteiro da baixa gastronomia de São Paulo #2
Roteiro da baixa gastronomia de São Paulo #3

Para comer:

Churrasco Grego: Largo do Paissandu, 19
Rei do Salgado: Rua Dom José de Barros, 144
Pastelaria Imperial: Avenida Prestes Maia, 72
Estomazil: Em qualquer farmácia

Na próxima edição:

Yakissoba, Bom Prato e mais.

Se você tem alguma sugestão de lugar ruim e barato, deixe aí nos comentários que ela será levada em conta.

Pé na Cova

Na tradição mexicana, 02 de novembro é o dia dos mortos, onde os falecidos são celebrados e até festejados. É uma festa um pouco mais alegre que o dia de finados por aqui, que só é comemorado porque ninguém trabalha.

Minha foice. Gosto de deixá-la perto de onde ficava meu coração.
Minha foice. Gosto de deixá-la perto de onde ficava meu coração.

Dia 02 de novembro porém também é um dia de festa para o Bolão Pé na Cova, o futuro grande sucesso da Paulo Velho empreendimentos (que é tipo uma Walt Disney só de bobagens).

O Bolão ganhou fama na época que o site Cocadaboa ainda trollava a internet alegremente por aí. Infelizmente, o bolão foi sendo abandonado até que caiu no ostracismo – http://www.cocadaboa.com/bolao/ – Basicamente, a idéia é enviar uma lista com 15 nomes de celebridades que você acredita que passarão desta para uma melhor no ano e conforme os obituários forem sendo abastecidos, os participantes vão ganhando pontos. Para a brincadeira ficar mais legal ainda, quanto mais jovem a pessoa apostada, mais pontos ela rende (confira o regulamento completo).

Sempre fui fã da brincadeira. Assim, em 2012, convidei amigos mais próximos para brincar também. Vários amigos mandaram listas, de forma que a organização do Bolão se tornou algo meio complexo. Para a edição de 2013, então adaptei um sistema em wordpress para tornar essa manutenção mais fácil e intuitiva. E o Bolão cresceu mais…

Na pior em Londres

Era uma quinta-feira, dia 20 de outubro de 2011. Por volta das 20:30, sentei-me num dos bancos do aeroporto de Heathrow, e comecei a chorar. Eu nunca choro. Nem assistindo a The Green Mile, nem Titanic nem em qualquer filme romântico meloso em que o cachorro morre no final. Só me lembro de ter derramado lágrimas em Forrest Gump e Toy Story 3, e esse fato talvez ilustre melhor a terrível e desesperadora situação que eu me encontrava naquela noite.

Carregava comigo, além da roupa do corpo, uma mochila com duas bermudas, uma dezena de camisas e cuecas, uma camisa social, duas camisas de manga comprida e uma blusa velha. Devido a uma seqüência peculiar de eventos, minha mala que continha todas as roupas de frio, blusas, cachecóis e meias de lã – que seriam suficientes para suportar o gélido vindouro inverno europeu – estava em Paris, inacessível para mim pelos próximos dois meses ainda.

Naquele momento, Londres ainda era uma completa desconhecida; uma incógnita tentadora. E lá estava eu: sem emprego, sem dinheiro, sem roupas apropriadas para o clima, sem casa, sem amigos – exceto por dois (na época) conhecidos que viriam a salvar minha vida algumas vezes depois – e sem ter aonde dormir aquela noite.

Londres: o lugar mais legal do mundo
Londres: o lugar mais legal do mundo

Pedro

Eu ainda estava sentado ali, perdido, sem saber o que fazer, quando Pedro me ligou. Conheci Pedro oito meses antes, na parte marroquina do deserto do Sahara. Paulista, são-paulino, passou um tempo estudando em Madrid e já estava há algum tempo morando, trabalhando e estudando em Londres. Já tinha sido garçom de uma churrascaria típica brasileira e barman de um pub. Naquela mesma quinta-feira ele estava sendo despejado do quarto onde morava e também não tinha aonde dormir aquela noite. Ele providenciou, então, duas reservas de última hora em um hostel relativamente barato (pelos padrões de Londres) e relativamente mequetrefe (pelos padrões de hostel); perto de Russel Square. Pelo menos por aquela noite, era lá que eu ia ficar.

Algumas horas depois, na sala de convivência do hostel, enquanto tomávamos uma New Castle, Pedro me passava todos os contatos que ele tinha com landlords (o equivalente inglês ao proprietário do imóvel) e empresas que providenciam quartos para estudantes e estrangeiros. Há até grupos especializados em residências para brasileiros. No dia seguinte, de manhã, telefonei para quantos consegui, mas o período era de baixa oferta. Muitas pessoas chegam e saem no início e final de anos letivos e, por ser meio de semestre, era difícil achar algum lugar que fosse acessível e imediato.

Na sexta-feira mesmo fui fazer a primeira visita a um quarto que estava disponível na região de Hackney, a nordeste de Londres. Seria aquele quarto que eu adotaria como lar pelo próximo ano e já naquela noite dormiria por lá pela primeira vez.