Bolão Pé na Cova

Eu estava no Ensino Médio quando comecei a apostar forte no Bolão Pé na Cova. Apostar em um sentido metafórico, uma vez que a competição nunca teve dinheiro envolvido. Ela se limitava a uma área do site Cocadaboa, um verdadeiro portal que, na época, testava os limites da internet. Seria o equivalente a um Cid Cidoso em formato HTML.

saudoso

O Bolão funcionava praticamente da mesma forma que hoje: era possível mandar 10 nomes de celebridades que você acreditava que faleceriam no ano e, quem marcasse mais pontos, ganhava. Simples e objetivo, como todo jogo deveria ser. Jogávamos em grupo na sala de aula, disputando contra nós mesmos e quase nunca pontuando, afinal, não é tão fácil assim adivinhar que uma pessoa vai morrer, por mais velha que ela seja. Exceto a vez que o Barba acertou a morte do Marlon Brando. Aquele ano, ele ganhou a disputa interna nossa.

Mas, com o amadurecimento da internet e, inclusive, o amadurecimento dos próprios administradores do Cocadaboa, o site acabou. É trabalhoso manter um portal de sucesso (mesmo um blog de fracasso, como este, dá um trabalho do cão às vezes), principalmente quando seu objetivo é ser disruptivo e você acaba soterrado por processos judiciais. Na época, o Cocadaboa alegava que seus servidores ficavam na Eslovênia, como tentativa de desincentivar o envio de ações judiciais. Claro que era uma balela e, mesmo se fosse verdade, os processinhos™ viriam de qualquer jeito. Era inteligente e óbvio que o site iria acabar eventualmente. E, com ele, morreu o Bolão Pé na Cova.

Rinha de Oktoberfest

Uma aprofundada análise comparativa entre a Oktoberfest de Blumenau e a de Munich

História

Em outubro de 1810, meu rei germânico favorito, o Rei Ludwig I, finalmente casou-se com a princesa Therese von Sachsen-Hildburghausen. A princesa era gata e o cara ficou tão emocionado com o próprio casamento que decidiu dar uma festa para a cidade inteira de Munich, a capital da Bavária. Todo o povo da cidade foi, encheu a cara, e viu uma grande corrida de cavalo, que parece que era um show dos Beatles do século XIX.

A festa foi, aparentemente, tão boa que, em 1811, alguns cidadãos chegaram pro Rei com a idéia “Vossa Majestade. Um ano de casado, não rola mais uma festinha não?”. Ludwig não deve ter hesitado muito para celebrar de novo e começar assim, meio que por acidente, uma tradição que já conta com mais de 200 anos.

Já a Oktoberfest de Blumenau tem uma origem um pouco mais humilde. Ela surgiu com a idéia da celebração da Festa do Imigrante alemão, que ocorreria em julho de 1983, mas foi adiada por conta de uma enchente (dentre as várias que normalmente atingem Blumenau). No ano seguinte, para a surpresa de quase zero pessoas, outra enchente. Aí os organizadores já tinham decidido jogar a festa para outubro mesmo, e mudar o nome dela para Oktoberfest, de forma a remeter à festa original. O fato que o secretário de turismo da época, Antônio Pedro Nunes, tinha uma agência de turismo que vendia pacotes para a Alemanha (inclusive para a Oktoberfest), com certeza ajudou na execução da festa, agora vendida como uma demonstração da resiliência local mediante a tragédia climática.

Aceite

Quando o fio dourado o prato atinge,
deves ter notado meu tamanho deleite,
uma indiferença teu semblante finge.
Desprezo. Desforro. Ignoro. Aceite.

Ganha brilho a batata, antes apática.
Antes cansada, agora altiva.
Sua face raivosa, antes simpática.
Antes te olhava, agora oliva.

“Chega deste óleo!”, desembestas a gritar.
Dou de ombros, ignoro, sem sequer me importar,
o azeite ainda cai, como se fosse nunca parar.

No tomate, no peixe, em cada folha de salada,
até mesmo no vazio, onde no prato não há nada.
Te desprezo. Te ignoro. E você enciumada.

Imploras aos céus, e eu também cá confuso:
Não sei por quê que eu te faço este mal,
contigo, e com o azeite, que cometo este abuso.
Não quero vinagre, não me importo com sal.

Seus olhos, tão lindos, já seguram o choro,
me dizes “o colesterol ainda vai te matar”.
Te ignoro. E aos poucos para ti eu morro.
Te deixo bem antes da minha vida acabar.

“É extra virgem”, me escapa um sussurro,
seu olhar fuzilando meu comentário tão burro,
o azeite caindo nas batatas ao murro,

pingando pelas entranhas da polpa cozida,
encharcando em óleo toda aquela comida.
E eu sinto você, a fugir de minha vida.

Levanta-te raivosa, batendo na mesa,
derrubando o vinho, quebrando a taça.
Marchas pra fora, com tanta certeza.
O azeite acabou, não há mais o que eu faça.

O peixe flutua no líquido viscoso.
Sua ausência agora me vêm tão à tona.
Tento focar em meu prato gostoso,
ao menos honrar esta nobre azeitona.

Te ouço a xingar, bater pernas na sala.
Com uma boa garfada, minha boca se cala.
Te vejo na sombra, a arrastar tua mala.

Rebato a gordura com um copo de leite.
Tu sais pela porta, sem que eu pleite.
Te ignoro, mas choro. Eu aceito. Aceite.

O Trem Tazara

O continente esquecido

Capítulo do livro “O Continente Esquecido”, com relatos organizados de uma viagem que fiz pela África em 2014.

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Se alguém algum dia disser que é uma boa idéia cruzar o leste africano de trem, duvide.

Viajar pelo continente por terra sempre é um desafio e uma aventura. Os ônibus são confusos, as linhas às vezes simplesmente não existem, os horários são meramente fictícios, sem contar o calor africano e o desconforto dos veículos mal-conservados. As raras opções de trem não parecem ser diferentes, a julgar pela minha ineficiente aventura na Tazara Railway, ferrovia que liga uma das cidades mais importantes da Tanzânia com o absoluto meio do nada na Zâmbia. Os vagões têm décadas de uso, os trens quebram com freqüência e os atrasos são praticamente uma certeza. Meu trem, por exemplo, tinha a partida agendada para as dez da manhã, mas só saiu da estação ao meio dia, totalizando um atraso de vinte e seis horas.

O mapa, em chinês, do trem Tazara

Para meus propósitos, era o roteiro ideal: partir das praias paradisíacas e savanas lotadas de animais selvagens da Tanzânia em direção ao meu próximo destino africano, as maravilhosas quedas d’água de Victoria Falls, no sul da Zâmbia, na fronteira com o Zimbabwe. Porém, as informações sobre o trem são praticamente nulas e nem mesmo algumas agências turísticas da Tanzânia pareciam ter conhecimento da existência de tal possibilidade de viagem. Em alguns momentos, cheguei a pensar que a linha não existia e era uma criação de minha mente perturbada.

Lá e de volta outra vez

Esta semana, no dia 09 de fevereiro de 2021, completou-se 10 anos da minha primeira partida do Brasil e da década de viagens e mudanças de vida que se sucederam depois.

Não é pouca coisa. Nesse período eu visitei 54 países, mais de 200 cidades (a mais visitada foi Paris, 17 vezes; fui para Bruxelas 7 vezes e foram 6 idas para Frankfurt, unicamente visitar um amigo, já que a cidade é chatíssima). Morei em cinco países diferentes e em mais de dez casas. Tive pelo menos meia dúzia de empregos. Abri algumas empresas. Conheci dezenas de pessoas incríveis.

Hoje eu invejo aquele jovem Paulo Velho, completamente imbecil que embarcou para Portugal com pouco dinheiro e sem saber quão difícil a vida poderia ser. Eu invejo ter essas aventuras todas pela frente, passar por tudo aquilo de novo, com todo o aprendizado que teria.

Estátuas que vou lutar pra não derrubarem

Como viajante, sou um grande entusiasta de estátuas e monumentos. Ainda mais nas terras abarrotadas de história como as do continente europeu, a impressão que dá é que alguns lugares tiveram mais estátuas do que reis.

Nem toda figura histórica que recebe uma estátua é, porém, um cidadão iluminado, livre de defeitos, uma pessoa bacana com quem adoraríamos tomar um cappuccino em uma tarde de outono. Muito pelo contrário, dependendo da época que estamos falando, a maioria eram calhordas da pior espécie, racistas, genocidas, bandidos, traficantes ou pessoas que andavam com o guarda-chuva aberto debaixo de toldos. Uma estátua pode sim ser encarada como um endosso: não pega bem pra Bélgica manter uma estátua do Leopoldo II – assim como talvez não pega bem pra Rússia deixar o corpo embalsamado do Lenin na praça vermelha, mas que é interessante ver como o feladaputa era pequeno, ah isso é. Mas assim como outras formas de arte, tais quais livros, filmes, quadros e peças de teatro, os monumentos podem ser vistos como um momento travado no tempo de uma era – e como a representação de um marco histórico de grande importância. Mais do que uma homenagem, vale a sua representação: Churchill tinha lá seus defeitos, mas é inegável que ele merece seu monumento; Tiradentes possuía seus escravos, mas o simbologismo de sua morte precisa ser lembrado; tem ainda uma estátua do Napoleão em Paris; e, pelo amor de deus, pesquisa um pouco pra não acabar depredando uma homenagem para alguém que lutou justamente a favor das mesmas causas que você.

Dado esse ponto, eu também sou a favor de trazer abaixo algumas representações históricas que não cabem mais em tempos atuais. O simbologismo por trás do ataque à estátua de Edward Colston em Bristol é lindo e fortíssimo e, ao contrário do Laurentino Gomes, eu até topo trazer pro chão o Borba Gato e colocar no lugar uma outra estátua, talvez uma estátua de 10 metros de um gato chamado “Borba” pra não dar tanto trabalho pra mudar as placas, é só inverter as palavras. Destruir algo é um sinal de mudança muito maior do que construir algo: a união recente da Alemanha se deu pela queda de um muro pela população; o símbolo da queda do Saddam foi a derrubada de sua estátua; a Revolução Francesa começou com a tomada da Bastilha, uma fortaleza medieval que foi completamente destruída, não sei se Luis XVI ia realmente perder a cabeça com um protesto pacífico e a manutenção de um patrimônio histórico francês tão imponente.

O Relógio

Texto originalmente publicado no Medium, em novembro de 2018 na ocasião do primeiro fechamento do bar.
Republicado agora, já que a casa reabriu e fechou de novo.

Encerrou as atividades em outubro de 2018 novembro de 2019 o The Clock Rock Bar.

foda-se, vou ficar descalço na balada, dizia a gente várias vezes.

Das 465 amizades atualmente ativas no meu Facebook, 33% podem ser agrupados na categoria “The Clock”. São 152 vidas que se interligam a mim por conta de um bar em Perdizes. Algumas dessas pessoas são estimadíssimos amigos, que eu amo de todo meu coração e confio cegamente. Alguns são pessoas que eu considero meus melhores amigos e que mesmo com a distância das idas e vindas de minha vida, sempre me senti intimamente próximo. A imensa maioria desses são amigos que eu não tenho dúvida que manterei para sempre.

A Pedra do destino

Quem visita o castelo de Edinburgh tem a oportunidade de passar por uma sala na qual é possível ver as jóias da coroa em exibição. As fotos são proibidas, mas os visitantes podem ver um valiosíssimo cetro de 1494, uma reluzente coroa de 1540 e uma pedra. Um paralelepípedo de pedra tedioso, de 66cm x 42cm x 27cm, pesando cerca de 150kg, de um arenito enfadonho, com um anel de ferro em cada extremidade.

Que belíssimo exemplar de pedra

Eu não poderia me importar menos com jóias, mesmo que elas sejam mais velhas do que o Brasil, mas a história dessa pedra é o tipo de atração turística que mereceu minha atenção.

O telhado de vidro da casa do rato

Recentemente, a Disney destruiu uma das melhores franquias de herói do cinema ao demitir seu produtor/diretor/roteirista/visionário James Gunn por conta de piadas ofensivas postadas na rede social do passarinho azul Twitter entre os anos de 2007 a 2012.

É particularmente marcante o quanto esse parágrafo me deixa indignado, uma vez que ele é recheado de itens aos quais eu tenho o que pode ser chamado de um amor irritante: Adoro o James Gunn, assisto tudo quanto é filme de herói, sou perdidamente apaixonado pela Disney, o Twitter é minha rede social favorita, os anos de 2007 a 2012 moldaram meu caráter e tem pouquíssimas coisas que eu goste mais na vida do que piadas ofensivas. Talvez só queijo.

relaxa. é só maconha.

Desoxirribonucleico

Em uma tarde fria de novembro eu estava sentado à minha mesa do escritório que trabalhava em Berlim, esfregando vigorosamente um cotonete na parte interna de minhas bochechas. Apesar de um ou outro olhar mais curioso de meus colegas de trabalho, eles simplesmente me ignoravam e prosseguiam em seus afazeres. Depois de dois anos trabalhando lá, o fato de eu estar empenhado em atos estranhos não surpreendia mais ninguém.

Eu estava efetuando os procedimentos indicados pelo kit do myHeritage que eu havia recebido aquela semana. O myHeritage é uma empresa israelense de genealogia, que cria uma plataforma para que seus usuários criem árvores genealógicas, façam buscas em acervos familiares históricos e até busquem por parentes desconhecidos, entre outras utilidades.

Depois de 60 segundos esfregando o cotonete na bochecha esquerda, coloquei-o em um tubo de ensaio fechado, e repeti o processo com a bochecha direita. Fechei tudo no envelope e depositei no correio, usando o envelope internamente protegido com papel-bolha que faz parte do kit.

Há 20 anos, fazer um exame de DNA podia custar até R$10 mil, geralmente bancados pelo empresário Carlos Massa para gerar pancadaria no programa do Ratinho. Hoje diversas empresas oferecem kits para que os usuários recolham suas próprias amostras de corpo humano e enviem para a extração do código genético em laboratórios do outro lado do mundo. Dependendo do método e da empresa e da promoção aproveitada, o exame pode sair bem barato: por conta de uma promoção de Black Friday, o exame que eu fiz custou apenas 40 euros. A concorrência e o trabalho em larga escala ajudaram muito a baixar o preço dos exames. A maior dessas empresas, a Ancestry, possui ações na bolsa e um valor estimado de 3 bilhões de dólares (em 2017).