A minha primeira experiência tentando pegar uma carona se deu em Portugal, em 2011. Com a idéia de visitar a cidade de Fátima, fiz o que qualquer turista desavisado faria em meu lugar: peguei um trem até Fátima. O problema é que a estação de trem fica a aproximadamente 20km da dita cidade e perdida no meio do nada (antes de chacotear os lusitanos, lembre-mo-nos que a estação Consolação fica na Paulista e a estação Paulista fica na Consolação).
Sem dinheiro e sem ânimo, permaneci com meu dedão esticado sob um sol relativamente abusivo na beira da estrada deserta que levava até a estação. Felizmente, não fiquei lá por muito tempo e fui logo levado por um português camarada a Ourém, que não era o destino final, mas ao menos tinham ônibus para completar o trajeto desejado.
A minha maior e melhor experiência de caronas, entretanto, foi (quase) completamente planejada.
Na época que eu morava em Paris, tive a idéia de visitar uma grande amiga em Rennes, a aproximadamente 340km de distância. Dinheiro, como sempre, era um grande problema e, tendo voltado de uma viagem pelo leste europeu aonde conheci uma garota que estava viajando de carona desde a Ucrânia, simplesmente pensei que, se uma alemãzinha adorável consegue viajar de carona na Romênia, eu também devo conseguir na França.
Pode ser que seja por força do hábito, mas eu sou a favor do fim das sacolinhas plásticas de supermercado.
Quando eu cheguei em Portugal, descobri que a maioria dos mercados não ofereciam essa regalia gratuitamente. Como meu começo de viagem foi um período de vacas magras (no sentido conotativo da alusão), eu não queria gastar 5 malditos centavos de euro cada vez que precisasse comprar atum e cerveja no mercado, então aprendi a ir fazer compras levando uma sacola plástica previamente adquirida. Por conta de não serem gratuitas, as sacolas plásticas portuguesas eram mais resistentes e podiam ser reaproveitadas mais vezes. E mesmo assim, não havia faltas de sacola em casa para serem enviadas para o lixo (com o devido lixo dentro delas). Em momentos que eu realmente não tinha dinheiro nem para uma sacolinha plástica, eu, todo malandrão, pegava um dos saquinhos da área de hortaliças e metia tudo lá dentro depois de passar pelo caixa.
Costuma ser assim em muitos países da Europa. É considerado um hábito saudável por aqui reaproveitar as sacolas e já é um costume as pessoas levarem suas próprias sacolas de feira quando vão ao mercado fazer compras. Brasileiro gosta tanto de exaltar e importar hábitos e costumes dos europeus… Mas quando aparece um costume minimamente útil, TODOS RECLAMA.
A União Européia instituiu o euro em janeiro de 2002. Já faz quase 10 anos, mas parece que eles ainda não acostumaram sua economia à unificação da moeda.
Não sou nenhum economista – muito pelo contrário -, mas parece que é tudo relacionado com o câmbio, que devia flutuar de acordo com a produção, mas acaba se mantendo preso às definições continentais. Algo complexo demais para eu entender bêbado e chato demais pra eu me preocupar sóbrio.
A crise se espalhou. Países mais fracos, como a Grécia (ou meu Portugalzinho) foram os primeiros a sentirem. A situação ficou tão ruim que surgiu um bloco chamado “PIIGS”, composto pelas iniciais dos países nele pertencentes: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. O nome PIIGS também é uma associação a “Porco”, que implica que a coisa nesses países anda tão ruim quanto no time do Palmeiras.
A Grécia é atualmente o lugar que tem a situação mais delicada. A situação por lá anda tão ruim que eles já até ameaçaram abandonar o euro. O país está juntando os cacos, como sempre fazem após um casamento. Os portugueses olham atentamente a situação da Grécia: sendo o segundo país mais fraco do bloco, a decadência de um vai automaticamente empurrar o outro pra baixo.
A crise em Portugal deve ser abrandada agora com uma ajuda externa do FMI. Algumas outras medidas emergenciais estão sendo tomadas para suprir o atual rombo da economia, o que inclui um imposto extra extraordinário no décimo terceiro salário de todos os portugueses; um imposto pesado, de 50% de tudo o que for acima do salário mínimo.
Alguns portugueses mais desesperados já estão trocando piadas por comida.
Mas a coisa não anda feia só na terrinha. Ainda na península ibérica, uma revolta popular tomou conta das ruas de Madrid exigindo algumas mudanças políticas no sistema de votação da Espanha. O protesto se espalhou até aos espanhóis residentes em Lisboa que, em maio, para apoiar os compatriotas, fizeram um acampamento na praça do Rossio em Lisboa, extendendo o protesto. A Espanha segue com uma taxa de 20% de desemprego e uma série de protestos pelo país.
Até países com uma economia forte e boa produção, que não fazem originalmente parte do PIIGS estão começando a sentir os efeitos da crise européia, como a França.
Entre os problemas políticos é estranhamente curiosa a situação da Bélgica. A Bélgica é um país bizarro. Ela é composta de uma metade francesa, uma metade propriamente belga e uns pedaços alemães, incorporados depois da Segunda Guerra (ou algo do tipo). A Bélgica possui então, um governo e um parlamento distinto para cada uma dessas partes. E elas devem entrar em acordo para formar um governo belga centralizado. Obviamente que fazer três parlamentos entrarem em acordo é como resolver uma pendência entre duas garotas brigadas entre si, só que sem a ajuda de uma luta no gel bem organizada. É por isso que a Bélgica já está há mais de 400 dias sem governo – e não parece que vai conseguir se organizar politicamente em um futuro tão imediato. Durma com um barulho desses.
Tão grande como a crise é a crença européia de que agora o Brasil é o país da vez. “O que diabos você está fazendo aqui? Se eu pudesse, eu iria mesmo era pro Brasil”, me disseram várias pessoas sem perceber que eles realmente podem ir pro Brasil. O país está realmente crescendo, mas ainda assim estamos sendo altamente superestimados por aqui.
Problemas políticos e corrupção definitivamente não é algo exclusivamente brasileiro. O que é vergonhoso mesmo é a forma como os políticos da República das Bananas se sentem livres e eternamente impunes, e a forma como os brasileiros são tratados como bestas. Crise nenhuma em país nenhum se assemelha a isso.
E assim a economia européia segue em uma ligeira decadência; Os Estados Unidos possuem uma dívida astronômica e a Inglaterra teve problemas sérios com a violência assolando as ruas… O Brasil pode ainda não ter virado primeiro mundo… Mas parece que o primeiro mundo virou Brasil.
Minha segunda casa
A vida de desabrigado seguia e eu não podia depender da boa vontade de amigos pelo resto de minha estadia em Lisboa – principalmente porque todos estavam indo embora e a quantidade de casas dispostas a oferecer um pedaço de chão para um brasileiro dormir se reduzia como virgens em um carnaval.
Voltei então ao site que oferecia habitações a estudantes. Com tantas pessoas indo embora, não deveria ser difícil encontrar uma nova casa disponível, em uma boa localização e a um preço acessível. Realmente não foi.
Aluguei rapidamente um quarto absurdamente bem localizado, em um apartamento no Baixa-Chiado, na região central de Lisboa, a 100m de duas linhas de metrô e com vista para o Castelo de São Jorge. O apartamento era habitado por três italianos divertidíssimos – e eu, que estava me dedicando a tentar aprender francês, mandei a língua às favas em troca de estudar italiano (lógico que, a partir do momento que eu tentei aprender duas línguas ao mesmo tempo eu consegui habilmente não aprender nenhuma).
Como bons italianos, meu período na segunda casa foi a época que eu mais me alimentei. Quase toda noite vinham visitas novas para comer alguma coisa – em 100% das vezes era massa, geralmente com atum. Atum era o combustível que impulsionava nossas vidas.
Os italianos eram pessoas ótimas. Massimo, de Torino, um dia me disse que o almoço dele se baseava em bolachas com atum. Quando perguntei se ele colocava uma maionese, pra ficar pastoso, ele foi direto. “Não! Atum tem que ser puro. Sou conservador.”
Jack e Jacopo eram os outros dois habitantes da casa. Ao contrário das outras residências que eu fiquei, os italianos não eram estudantes, mas estavam em Lisboa trabalhando – apesar da faixa de “Greve Geral” que seguia estendida em nossa sala. A rotina então era menos acadêmica, o que incluía os moradores acordando cedo e, por vezes, até lavando a louça.
Tal qual nas outras casas, porém, essa também recebia constante visitas que dormiam na sala. Às vezes de amigos que moravam em Lisboa mesmo, mas não numa região tão central quanto nós (que estávamos a 3 minutos do Bairro Alto, central da boêmia Lisboeta). Outras vezes eram francesas que alguém conheceu na praia, italianos viajando a Europa de moto ou embriagados amigos brasileiros meus que vieram me resgatar e levar para a Oktoberfest.
Lamento o fato de só ter ficado dois meses nessa casa. Foi uma casa que se mostrou muito acolhedora, não só a mim, mas a todos que agüentavam subir os cinco andares de escada que levavam até ela.
Pelo Tejo vai-se para o mundo
Parece incrível pensar que eu fiquei só seis meses morando em Lisboa. Às vezes parece que foram anos, outras vezes parece que tudo passou tão rápido quanto uma ejaculação precoce. A pessoa perdida que chegou aqui em fevereiro é inefavelmente diferente da pessoa ainda perdida que está deixando Lisboa em setembro.
Eu nunca fui um cara sentimentalista. Muito pelo contrário, eu sempre me achei completamente desprovido de emoções. Mas foi curiosíssima a montanha-russa que se passa estando sozinho longe dos amigos e da família. Por diversas vezes me vi sozinho, triste e deprimido para, 15 minutos depois estar eufórico, animado e ansioso com alguma coisa. Essa montanha-russa parece constante. É como se meu estado psicológico tivesse finalmente despertado e ficasse pulando feito um retardado, por vezes chutando, outras afagando o meu hipocampo, quase causando uma pane em meu sistema límbico.
Aprendi a ser organizado. Aprendi a controlar meu dinheiro.
Tive uma aproximação muito maior de alguns amigos no Brasil. Parece que ter ido para longe de certas pessoas só nos fez ficar mais próximos.
Meus amigos do Brasil são um caso particular. A família é obrigada a nos agüentar pelo resto da vida, então eles não vão conseguir se livrar de mim. Os amigos não. Por isso que eu me senti muito fortalecido por tudo que meus amigos fizeram por mim. Eu sinto que, se eu voltasse para casa agora, seria como se eu nunca tivesse saído – acho que a proximidade com algumas pessoas que eu deixei até aumentou.
Também fiz ótimos amigos em Portugal – não só em Lisboa, mas espalhados por este pequeno país. Com o tempo, aprendi a gostar desta malta fixe que atende o telemóvel dizendo “Estou?”.
Amo Lisboa e a cidade me acolheu estupidamente bem. Mas no final de agosto, a vista do Castelo de São Jorge já não me impressionava como antes. Já conhecia o horário dos bondinhos, as pedras soltas da calçada da Rua Augusta e já não me perdia nos labirintos de Alfama.
A minha primeira casa era alugada pelo Hugo que, por sua vez, sub-alugava os quartos para o restante dos pobres moradores – todos estudantes em intercâmbio. Eu sabia então que, ao fim do ano letivo de Erasmus eu teria que procurar algum outro lugar para morar – lembrando que na Europa, assim como nos Estados Unidos ou em Hogwarts, o ano letivo vai de setembro a junho.
Era previsto então que eu deixasse a casa no começo de julho. A novidade foi em maio o Hugo me chamar para contar que alguns fatores o levaram a adiantar a volta dele à França, o que nos obrigaria a ter que deixar a casa no dia 11 de junho. Como todos eram estudantes que só iam ficar mais algumas semanas em Lisboa, então ninguém se dispôs a alugar a casa toda, sobrando para cada um de nós improvisar a moradia.
Duvido que tenha havido um dia pior para sermos jogados no olho da rua. A maior festa de Lisboa acontece dia 12 de junho. É a festa de Santo Antônio.
Festa das Sardinhas
As festas de Lisboa acontecem, na verdade durante todo o mês de junho. São as festas juninas, celebrando os dias dos santos, com barracas montadas em frente aos largos das igrejas e bandeirolas enfeitando as ruas. Quiosques vendendo cerveja surgem em todo canto e a cada esquina há um português assando sardinhas.
O principal dia é 12 de junho, dia de Santo Antônio, padroeiro de Lisboa. Há uma parada extremamente chata que atravessa a avenida da Liberdade, e as estreitas ruas que formam o labirinto que é Alfama são tomadas pelo povo. A festa é realmente divertidíssima. A cidade do Porto tem como dia principal 23 de junho, dia de São João – também estive lá na tarde do dia 23, mas só pegando um vôo para Marrocos.
Uma vez expulso de casa, reservei um quarto de hostel com Julien (o outro francês desabrigado). Foi realmente uma sorte pois, por conta da festa, a maioria dos hostels já estavam cheios. Se tudo desse errado, ainda tinha esperança de conseguir dormir no sofá (ou no chão) da casa de algum amigo do Erasmus.
A maioria dos meus amigos eram estudantes do Erasmus. Por conta deles que a Festa das Sardinhas me pareceu uma versão tão embriagante de um carnaval. A primeira noite foi alimentada com vinho e sardinhas na confusão absurda das estreitas ruas de Alfama – o que incluiu me perder deles e achá-los de novo algumas vezes. O segundo dia pude acompanhar a enfadonha parada da avenida Liberdade que foi ficando mais divertida conforme eu ia ficando mais bêbado.
Eu não gostava de sardinha antes das festas juninas de Lisboa. Nesse período eu comi tanta que passei a gostar.
O grande divertimento das festas de Lisboa foi mesmo pelas companhias. Desde que cheguei na Europa, estive vivendo com universitários, dividindo repúblicas, indo em festas na casa de estudantes, com pessoas que chegam dizendo que não podem beber muito porque tem prova no dia seguinte (e terminam jogadas ao lado da porta). Conheci pessoas de toda a Europa; Se no começo eu ia para casa de alguém sem conhecer ninguém lá, na terceira vez que se vai a uma dessas festas, já se conhece metade das pessoas. E assim, aos poucos, passei a ser quase toda noite convidado para algum evento do tipo.
Desabrigado
Foram esses amigos que me cederam um teto e um colchão (ou um sofá ou até mesmo um pedaço de chão) durante o mês de junho e metade de julho. O ano letivo estava acabando e todos os estudantes estavam indo embora, voltando a seus países, e eu sabia que cedo ou tarde acharia um bom quarto para morar. Entretanto, como tinha duas viagens de 5 dias cada uma no período, decidi que iria atrás de um lugar para morar só quando voltasse dessas viagens. E assim que eu passei um mês morando de favor.
Fiquei um bom tempo na casa de um divertidíssimo amigo belga que morava bem perto de minha primeira casa. Nick era um programador que trabalhava em um site de putaria em Lisboa, evangelista do Drupal. Ele morava com outros dois espanhóis, uma espanhola, uma alemã e uma portuguesa. No período que fiquei abrigado sob seu teto, me diverti bastante re-assistindo episódios de Lost ou discutindo sobre a complicadíssima política belga.
Depois que Nick foi embora, também passei um bom tempo dormindo no sofá de um tcheco que era o único remanescente do grupo que ainda estava tendo provas – sofrimentos de um estudante de medicina. Também contei com a ajuda de um grego e um outro tcheco, sempre em casas repletas com uma variedade considerável de nacionalidades e uma quantidade mais do que recomendável de placas de trânsito e cones roubados.
Despedidas
Aos poucos, cada um dos meus amigos foi encerrando seu período de intercâmbio e partindo para suas terras natais. O final de junho e o começo de julho foi uma época péssima para quem odeia despedidas. Todo dia era o último dia de alguém. Churrascos de despedidas e últimas idas aos bares do Bairro Alto aconteciam todas as noites e aos poucos comecei a sentir a cidade se esvaziando – as despedidas mesmo iam se tornando eventos cada vez mais discretos.
É uma coisa chata. Nesse período fiz bons amigos que agora se espalham por toda a Europa (e grande parte do Brasil), mas que sei que não voltaremos a ter o contato de antes. Ainda tinha meus amigos do hostel e uma boa parte de pessoas que estavam em Portugal para uma estadia maior – trabalhando e dispostos a ficar por mais tempo. Mas o grande centro ao redor do qual girava todo o meu círculo de amizades era pautado em um universo acadêmico, de festas em repúblicas e jovens malucos que tentavam aproveitar o máximo possível seu breve momento de intercâmbio.
Quando eu finalmente tinha formado um grupo de amigos, eles se foram. E a música sumiu do miradouro da Glória, onde à noite iam os estudantes para beber. Foi ali que, no final de julho, eu me vi mais uma vez sozinho em Lisboa.
Ao final do primeiro mês que passei no Velho Mundo, escrevi um pequeno texto contando o que tinha passado naqueles dias. Seis meses já se passaram desde que eu saí do Brasil com a única perspectiva de ver o que acontecia.
Até então eu já tinha um lugar onde morar, algumas pequenas viagens agendadas e uma dezena de entrevistas de emprego em processo.
A Primeira casa
Era um apartamento habitado por 6 pessoas ocupando todo o primeiro andar de um prédio em Estefânia, um bairro perto de Saldanha, na região central de Lisboa. O apartamento era alugado por um francês chamado Hugo, que alugava-o todo e depois sub-alugava os quartos.
Geralmente toda semana tinha alguém dormindo por ali – incluindo na única vez que uns amigos de Braga vieram para Lisboa para ver um show do FatBoy Slim em maio. Eu tinha avisado que viria gente e iria usar os colchões da sala, mas mesmo assim, quando chegamos em casa, às 6h da manhã, já havia gente lá dormindo. Lá fui eu dormir no meu saco de dormir, depois de preparar um delicioso omelete de sardinhas com arroz às 6h30 da manhã.
Além de Hugo, duas outras pessoas estiveram lá morando integralmente durante toda minha estadia: Julien, um outro francês que ocupava o quarto em frente ao meu. Apesar do estilo metaleiro, ouvindo música pesada, portando longa barba e longos cabelos, o cara era surpreendentemente vegetariano. Ao menos ele nunca chegou a nos incomodar com o assunto, sendo que o único problema nisso residia no fato de nossa geladeira estar constantemente cheia de mato, sem sobrar muito lugar para guardar a cervejinha. Julien também viajava constantemente para França, pois além de estudar biologia, trabalhava na organização de festivais de música. Foi só nas últimas semanas que fiquei realmente amigão dele, saindo para beber e indo em alguns lugares onde tocava um rock mais pesado.
Durante todo o tempo por lá também esteve a polonesa Roxxane, que como toda garota linda, tinha uma capacidade invejável de me ignorar. Sinceramente, eu também achava que ela tinha de chata o que tinha de gostosa – e ela saindo do banho com a toalha enrolada no corpo era chatíssima…
A outra polonesa era mais divertida: Marta entrou no lugar da italiana Giulia – que nasceu exatamente no mesmo dia que eu. Infelizmente, algo trágico deve ter acontecido com a família de Marta que a obrigou a voltar de repente para a Polônia, se ausentando até de nossa viagem pela Ilha da Madeira que ela já havia pago.
O quarto onde vivia uma alemã chamada Sophie, foi ocupado nos últimos meses por uma espanhola de Sevilla. Ela era até simpática e algumas vezes dividíamos o jantar (macarrão quando ela cozinhava e arroz com atum quando o cheff era eu). Mas a evidência que ela decididamente não era uma amiga próxima é que eu não lembro do seu nome.
Trabalho
Desde algumas semanas antes de embarcar eu vinha procurando um emprego em Lisboa. Minha idéia era procurar algo na área de programação mas, se não encontrasse nada, estaria disposto a trabalhar em qualquer coisa – e ainda estou, na verdade.
No primeiro mês aqui, iniciei diversos processos seletivos em várias empresas – prova que o mercado tecnológico e de programação segue crescendo, quase alheio à qualquer crise. Mesmo assim, os salários não eram condizentes com os cargos oferecidos e as empresas demoravam muito nas respostas.
Consegui um emprego numa pequena empresa de Lisboa responsável por controlar um sistema de pagamentos online – o que eu tinha que fazer era dar suporte à ferramenta e ajudar os usuários com as implementações externas. Era tudo muito básico: Um sistema simples de PHP, já funcionando, só tendo que fazer alguns projetos e alterações em cima. Mas era um emprego tranqüilo e que me oferecia um dinheiro pra me manter (e ainda sobrava um pouco), além de uma flexibilidade que me permitiu fazer algumas viagens.
Mesmo assim não era propriamente um emprego que eu gostava. Não pelos divertidos companheiros de trabalho ou pelo ambiente tranqüilo, mas por ser muito básico, eu não tinha algo que sempre tive nos meus outros trabalhos e que sempre foi minha grande motivação: o desafio. Viver na Europa, conhecendo novas pessoas e tentando me sustentar, entretanto, já era desafio o suficiente, então o trabalho serviu mesmo só como forma de sustento.
Alimentação
Come-se muito bem em Portugal. Meus pais são de origem portuguesa (papai é português e mamãe é filha de portugueses), então sempre partilhei à mesa diversos pratos da culinária lusitana, logo, sempre soube que adaptar-me à comida daqui não seria um problema.
Depois que eu comecei a ganhar dinheiro suficiente para não viver somente do café-da-manhã (aqui conhecido como pequeno-almoço), pude começar a apreciar a culinária local e desfrutar de todos os tipos de bacalhau possíveis. Ajudou em minha alimentação o fato de Portugal ser um país bem barato de se viver – em média eu não gastava mais do que 5€ comendo em restaurantes perto do trabalho; se eu quisesse comer algo mais requintado e gastar mais dinheiro, acabava gastando no máximo 10€ ou 12€ – com vinho incluso!
Eu costumava almoçar num hospício em frente ao meu trabalho. O local tinha um restaurante chamado “Psico Prato”, que funcionava como um centro de reintegração dos loucos na sociedade e, por isso, servia a comida com um preço abaixo da média – o prato do dia por lá custava por volta de €3,80. A comida era boa e barata. E, respondendo à minha mãe: Eles não servem só loucos. Nos dias úteis, porém, eu costumava fazer um sanduíche para comer no trabalho e tomar um bom café da manhã (costumeiramente, na padaria do supermercado).
Aprendi realmente a cozinhar. Finalmente aprendi a fazer arroz de verdade – geralmente misturado com atum e champignons. Alheira é outra especialidade portuguesa que pude desfrutar com freqüência por aqui. Eu já tinha experiência no omelete de queijo (só não ganhei um concurso de omeletes de queijo que fiz com meus amigos no Brasil porque a minha receita foi desclassificada por não levar ovos), então era também uma iguaria que eu comia constantemente. Morei com franceses, então também aprendi a fazer crepes. Mas, mesmo com um strogonoff ou uma receita mais rebuscada de vez em quando, minha preguiça me levava a omeletes com pão e lasanhas de microondas. E meia garrafa de vinho por dia, que ouvi dizer que faz bem pro coração.
O vinho em Portugal é bom e ridiculamente barato. Até os mendigos andam pelas ruas bebendo vinhos bons. Por 2,00€ é possível comprar um vinho descente, que custaria no mínimo cerca de R$20 no Brasil.
A vida portuguesa
Lisboa se mostrou uma cidade estupidamente deliciosa de se viver. Ela é consideravelmente mais quente que o resto da Europa, é uma belíssima cidade, com um gigantesco patrimônio histórico e muito fácil de se gostar.
Uma das coisas divertidas de morar na Europa é o contexto histórico dos lugares. Não só Lisboa, mas grande parte da Europa passa essa deliciosa sensação de velho. Como um apaixonado por história, eu acho divertidíssimo ver uma infinidade de construções seculares, imaginar que tipo de pessoas habitaram aquelas casa, que tipo de pedestres caminharam por aquelas praças seculares, como algumas ruas devem ter sido tomadas por batalhas ou imaginar que aquele penico era onde cagava Dom João VI.
Lisboa parece pequena, não tendo nem um milhão de habitantes (especialmente se comparada à São Paulo). Logo era realmente irritante sair 21h do trabalho e encontrar todos os mercados fechados. O que salvava era o mercadinho do indiano-clichê ali da esquina que ficava aberto até as 0h.
Por outro lado é maravilhoso viver num lugar sem trânsito. O transporte público é eficaz, com quatro linhas de metrô (todas se comunicando entre si) e ônibus e bondinho cobrindo onde o metrô não alcança. E o transporte público, assim como o resto de Portugal, era consideravelmente barato. Por 30€ por mês, era possível carregar um cartão que me permitia usar metrô, ônibus e bondinho à vontade na cidade – infinitamente.
O problema mesmo fica com os motoristas portugueses, que simplesmente não parecem se importar em parar em fila dupla (ou até tripla) ou em deixar o carro ali no meio da rua, bloqueando o trânsito, enquanto vai na pastelaria comprar uns cacetinhos.
Melhor que viver sem trânsito, entretanto, é viver sem violência. Jogar um joguinho no iPhone no ônibus (aqui chamado autocarro) ou andar pelas ruas do centro às 2h da manhã sem o habitual medo que acompanha cada brasileiro que possua um cu é uma experiência ótima.
Apesar que a malandragem brasileira é claramente uma evolução da malandragem portuguesa. Assim como tanta coisa que a terra das bananas herdou da cultura lusitana. Atualmente ocorre um caminho inverso. São os portugueses que consomem o que provém do Brasil, agregam nossa música, filmes, televisão e hábitos. O Brasil vive muito em Portugal, com uma comunidade grande e uma cultura ativa. A ligação Brasil-Portugal ainda é muito forte, mais do que no contexto histórico, talvez por uma ligação genética (ainda mais no meu caso, filho de pai português). E, pensando profundamente, são mesmo pátrias irmãs, separadas por um oceano.
Eu cá procuro não falar da minha vida pessoal. Mas prometi que manteria a todos atualizados de minhas desventuras pelo velho continente, então contos de uma perturbada vida minha européia deverão aparecer aqui com mais freqüência. Azar de vocês (ou não).
Tempos de hostel…
Cheguei em Lisboa no dia 10 de fevereiro. Fiquei em um hostel aconchegante próximo da região de Marquês de Pombal. A dona do hostel era uma senhora extremamente simpática que antes trabalhava como enfermeira: Dona Odete, que sabia que eu não tinha dinheiro então toda noite dividia a sopa dela como jantar para mim. O quarto dividido com outras 10 pessoas custava €15 por noite. Porém, sendo baixa temporada, durante muitas noites fiquei dividindo-o somente com um francês. Era um lugar ideal para descansar: TV, uma salinha confortável, cozinha arrumadinha…