Debaixo da Polônia

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Um texto que começa com a machetada na Polônia, e segue minha visita à cidade subterrânea nazista – com mais conteúdo didático histórico do que duas horas de History Channel.

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No último sábado do mês de janeiro do ano da graça de 2018 acordei cedo. Levei um tempo para lembrar onde eu estava: era um apartamento vazio, mas relativamente conhecido na região de Prenzlauer Berg, em Berlim. Era meu primeiro dia sem trabalho, após o fim do aviso prévio de meu pedido demissão no final do ano anterior. Eu já não possuía moradia própria, passei o mês todo morando de favor na casa de uma amiga portuguesa que no momento estava no Brasil.

Fui até a cozinha, e enquanto tomava um café com pão com manteiga, coloquei em uma sacola toda a comida que me restava: alguns pães, chocolates e uma variedade razoável de queijos. Como a casa ficaria vazia por algum tempo e eu não planejava me estender muito na cidade quando voltasse para Berlim, limpei a cozinha de tudo que fosse perecível e comestível para me servir de alimento durante a viagem – uma estratégia comum para quem viaja sem dinheiro. Minhas malas estavam já arrumadas, ocupando um canto do quarto – elas iam ficar ali durante os 17 dias que eu passaria viajando pelo leste europeu, passando por Polônia, Bielorrússia (a tradução para português de Belarus), Lituânia, Letônia (a tradução para português de Latvia) e Estônia. Naquela hora, porém, eu ainda não estava certo de qual seria meu roteiro, já que viajar no improviso é outra característica marcante de viajantes desprovidos de apego ao bom-senso. A única certeza que eu tinha é que eu iria para a Polônia naquela manhã.

De volta à Polônia

Tal qual o Império Germânico ou a União Soviética fizeram nos séculos passados, de tempos em tempos eu também voltava para a Polônia. Eu tenho um apego emocional com o país, já que para todo lugar que eu vou eu carrego um mimo que a Polônia me ofereceu: uma cicatriz no lado esquerdo da minha fuça. O caso ocorreu em 2011, na minha primeira visita à Cracóvia (a tradução para português de Kraków), uma história que já foi em diversas ocasiões oralmente contada mas que até então não tinha sido transcrita em mal-traçadas palavras.

O busão voador

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…da experiência de viajar na Ryanair, a maior companhia aérea de baixo custo da Europa…

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No caótico trânsito de Dublin, uma luxuosa Mercedes S500 trafega pelas faixas de táxi. O carro possui o luminoso no teto, devidamente registrado com a licença número MG99 para exercício da profissão. Seu motorista trabalha no ramo de transporte de passageiros, levando pra lá e pra cá mais de 8 milhões de pessoas por mês, a um custo médio de 65 euros por viagem.

Apesar do baixíssimo custo médio por pessoa, Michael O’Leary não está no ramo do transporte terrestre, mas sim do transporte aéreo. Ele é CEO da Ryanair, a maior empresa aérea de baixo custo da Europa, percorrendo rotas entre 200 aeroportos em 31 países, incluindo norte da África (Marrocos) e Oriente Médio (Chipre e Israel). A empresa nasceu em 1985, operando inicialmente uma única rota, de Waterford na Irlanda a Gatwick, em Londres. Desde seu surgimento, ela trabalha lotando as cabines de passageiros da forma como pode. No começo, as aeronaves eram tão apertadas que eles apenas recrutavam comissárias que fossem menores do que 1,58m. Michael, CEO da companhia desde 1994, é uma figura caricaturesca, polêmica, popular por seu linguajar desbocado, sua arrogância e por ser um dos mais bem sucedidos empresários da Irlanda, com uma fortuna estimada em mais de 750 milhões de euros.

A empresa admitiu publicamente o uso do táxi para transporte pessoal: “A última vez que eu verifiquei, esta era uma república democrática. Contanto que eu pague meus impostos, eu posso fazer com meu dinheiro dinheiro o que eu quiser.”[1], disse Michael, único dono da O’Leary Cabs, uma companhia de táxi que só possui um carro registrado, tudo para que o empresário possa usar as faixas exclusivas de táxi irlandesas e prevenir que ele fique preso em engarrafamentos. Apesar de não ser ilegal possuir uma companhia de táxi só para fugir do trânsito, Michael pode ser obrigado a atender passageiros se for chamado enquanto estiver andando nas faixas exclusivas. No carro há até um taxímetro e ele pode emitir recibos. “Eu transportaria alegremente pessoas em Dublin. E faria um preço bem mais barato.”

Se seguisse a linha de funcionamento da companhia área, provavelmente o táxi de Michael realmente teria um preço mais barato. Mas também cobraria taxas extras para colocar bagagem no porta-malas, ligar o rádio, usar o ar-condicionado ou abaixar o vidro.

É assim que a Ryanair opera, vendendo qualquer coisa que possa ser cobrada separadamente de uma viagem de avião simples. O cliente paga mais caro se quiser despachar mala, escolher assento, embarque prioritário ou até mesmo para fazer o check-in no aeroporto.

Michael O’Leary




O caminho para Abkhazia

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…da cobertura da Copa do Mundo de não-países (evento da CONIFA), com o relato completo de minhas aventuras pelo não-país Abkhazia…

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Em julho de 2016, estive na Abkhazia para fazer minha primeira cobertura jornalística, na Copa de Futebol do Mundo, organizada pela CONIFA. A matéria final foi publicada na revista SuperInteressante de setembro/2016, edição 365. (link).

No começo da década de 90, após a dissolução da União Soviética, a Georgia conseguiu sua independência. Menor que o estado de Santa Catarina e localizada a leste do Mar Negro, fazendo fronteiras com a Rússia ao Norte, Turquia e Armênia ao Sul, Azerbaijão a Leste e banhado pelo Mar Negro ao Oeste, o país está em uma região aonde começa a ficar obscuro se estamos na Europa ou na Ásia.

As tensões entre Rússia e Georgia, entretanto, não cessaram com a independência. Em 2008, a crise diplomática entre os dois países explodiu em uma guerra, resultando em algumas centenas de mortos (ambos os lados divergem entre os números) e alguns milhares de refugiados – em sua maioria, georgianos que foram expulsos das regiões separatistas.

A Abkhazia é uma dessas regiões. Ligeiramente maior do que o Distrito Federal e com uma população de pouco mais de 200.000 habitantes, ela virou um popular destino de turistas da classe média russa, que fazem uso de seus resorts e praias. A Abkhazia declarou sua própria independência em 1999, apesar dela só ser reconhecida como um país por Rússia, Nicaragua, Venezuela, Nauru (uma ilha da Micronésia), e dois outros territórios separatistas: Transnistria na Moldova e South Odéssia (a outra região separatista da própria Georgia).

outdoor em Sukhumi anuncia o evento
outdoor em Sukhumi anuncia o evento

A Copa do Mundo de não países
“Cara, vai ter uma Copa do Mundo de não-países”, disse Alain, quando eu fui visitá-lo em Köln em janeiro de 2016. Oras, esse é exatamente o tipo de evento que me chama a atenção. Entrei no site oficial do evento (http://worldfootballcup.org/) atrás de tickets, mas me deparei com uma mensagem dizendo que os tickets online só seriam disponibilizados posteriormente (no final nunca foi possível comprá-los pela internet). Havia porém um link para “media accreditation”, o qual eu fui petulante o bastante para clicar e enviar uma requisição. Foi assim, depois de convencer a organização que eu era um jornalista freelancer que eu consegui uma credencial de imprensa pela primeira vez em minha vida.

Não tive alternativa senão começar a planejar a melhor forma de chegar à Abkhazia. Porém não é uma tarefa tão simples. O aeroporto de Sukhumi, único público do país, não recebe muitos vôos internacionais e as fronteiras são complicadas de ultrapassar. Nem a internet ajudou nessa tarefa: não é um destino turístico muito popular e raríssimas páginas exibiam dicas em outras línguas que não fossem russo.