Esta semana, no dia 09 de fevereiro de 2021, completou-se 10 anos da minha primeira partida do Brasil e da década de viagens e mudanças de vida que se sucederam depois.
Não é pouca coisa. Nesse período eu visitei 54 países, mais de 200 cidades (a mais visitada foi Paris, 17 vezes; fui para Bruxelas 7 vezes e foram 6 idas para Frankfurt, unicamente visitar um amigo, já que a cidade é chatíssima). Morei em cinco países diferentes e em mais de dez casas. Tive pelo menos meia dúzia de empregos. Abri algumas empresas. Conheci dezenas de pessoas incríveis.
Hoje eu invejo aquele jovem Paulo Velho, completamente imbecil que embarcou para Portugal com pouco dinheiro e sem saber quão difícil a vida poderia ser. Eu invejo ter essas aventuras todas pela frente, passar por tudo aquilo de novo, com todo o aprendizado que teria.
E que puta aprendizado… Aprendi algumas línguas: inglês, francês, italiano, alemão (já esqueci metade delas). Aprendi muito sobre história, do Brasil Império; sobre a Primeira e Segunda Grandes Guerra; sobre a Guerra Fria; aprendi a gostar de história e até de religião. Aprendi a conviver com a solidão; a aturar meus próprios pensamentos; aprendi que quando você está na pior, as pessoas que vão te ajudar são as que você menos espera e são justamente aquelas que também estão na pior. Hoje eu sei controlar meu dinheiro, sei que não é preciso de muito para viver, sei fazer arroz e lavar minhas próprias cuecas.
Juntei pouca coisa: nesses dez anos, comprei dois macbooks, dois celulares (um deles ainda em uso), quatro bicicletas e nenhum carro. Hoje tenho um kindle, um Nintendo Switch, dois notebooks e uma câmera fotográfica decente. A vida nômade, de se mudar com freqüência sem saber para onde se está indo não permite o acúmulo de bens materiais. Eu só comprei o Nintendo Switch porque é um videogame que não precisa de televisão para jogar.
Em compensação, memórias tenho várias, incontáveis. Lembro de sair da minha barraca no cu da noite para mijar durante a trilha do Kilimanjaro e passar meia hora simplesmente olhando para cima, tremendo de frio, vendo o céu tão pontilhado de estrelas que mais parecia um sonho, o céu mais lindo que eu já vi na vida. Lembro de cantar Angels, do Robbie Williams em uma mesa cheia de desconhecidos, todos completamente bêbados, durante uma Oktoberfest. Lembro de acordar atrasado e sair pedalando como um motoboy pra não chegar atrasado em uma reunião em Berlim. Chorei de saudade quando fui embora de Lisboa, de emoção quando cheguei no cume do Kilimanjaro, de felicidade quando vi a aurora boreal pela primeira vez e de tristeza quando fiquei sozinho sem dinheiro e sem ter onde ficar em Londres.
Eu visitei castelos e palácios. Desci em minas e túneis subterrâneos secretos da Polônia, subi na montanha mais alta da África. Desci em calabouços assombrados de Praga e subi as montanhas da Ilha da Madeira. Rolei pra cima em uma Oktoberfest e rolei para baixo em uma Corrida do Queijo. Pedalei em torno do muro de Berlim. Machuquei todos os meus joelhos e um tornozelo, mas terminei a corrida mais difícil do mundo. Escrevi livros e artigos para revistas. Andei de avião, de trem, de jipe, de carona, de bicicleta, de camelo, de monotrilho, de balão e até de carro. Tive um relacionamento feliz e um abusivo. Dormi na rua por falta de dinheiro e me hospedei em hotéis cinco estrelas com piscina de águas termais e chuveiro com cheiro de enxofre. Fiquei em couchsurfing, em airBnb, fiquei num hostel dentro de uma igreja abandonada. Passei quase um mês indo para um aeroporto só para dormir e tomando banho em um hotel fino que eu entrava na cara de pau só para isso. Eu assisti leões caçando e filhotes brincando. Saí de noite para caçar aurora boreal. Nadei em lagos congelados na Grã Bretanha e enfrentei o calor de 50º do deserto do Saara. Visitei países em guerra e países que não existem. Fui na ponte onde Franz Ferdinand foi assassinado, no bunker de Churchil, no palácio onde nasceu Dom Pedro, no bar onde os Beatles ficaram famosos (o de Hamburgo e o de Liverpool), na cela onde ficou preso Vlad empalador, e pisei na lama de trincheiras da Primeira Guerra. Fiquei dias sem comer. Tomei a melhor cerveja do mundo (três vezes), numa abadia no interior da Bélgica. Joguei ping-pong, vôlei, futebol, e aquele esporte meio maluco que envolve atirar um freesbie pra lá e pra cá. Comprei bitcoin. Perdi dinheiro em cassino. Fui o padre do casamento do meu melhor amigo, fui monitor de aula de dança, recepcionista, jornalista, autor, ator, barman, programador, roteirista, gerente, vendedor e empresário. Esbarrei na Charlize Theron e escrevi piadas com o Maurício Meirelles. Fui em cinco Oktoberfests, dois St. Patrick’s Day, uma Tomatina. Assisti as Olimpíadas de Londres, uma peça com o Ralph Phiennes, cinco shows do Paul McCartney, dois do Coldplay e um do System of a Down. Fiquei bêbado na maioria dos lugares onde passei.
Eu acho que eu embarquei nessa viagem porque tinha um medo irracional de não estar aproveitando a vida o suficiente. Este é um medo que eu não tenho mais, mesmo tendo estado trancado em casa por tanto tempo ultimamente.
Em março completaremos um ano de pandemia. Quando somos privados de nosso ir e vir por conta de um fator externo, no qual somos impotentes para agir, é natural a frustração. Fica a impressão de um ano perdido. Depois de ter feito tanta coisa na vida, parece que o máximo que consegui nos últimos 12 meses foram passeios da sala para a cozinha. Eu não tenho o hábito de ficar muito tempo no mesmo lugar, e o fogo no rabo para largar tudo e ir para outro lugar já estava forte antes mesmo do mundo começar a acabar.
Eu tinha uma passagem só de ida comprada para abril de 2020 que, obviamente teve que ser cancelada. Eu não sei para onde iria, mas depois de tudo o que eu passei eu descobri que não importava realmente. O caminho é mais legal que o destino.
O meu medo atual não é mais não estar aproveitando a vida: é esquecer. Modéstia à parte, eu fiz coisas demais, aprendi demais e passei por muitas coisas péssimas e maravilhosas desde que saí pelo mundo. Parece um desperdício ter feito tanto para esquecer. É esse medo que me motiva a escrever, tirar fotos, produzir vídeos e conteúdos…
Mesmo que o princípio deste blog seja estritamente pessoal – ele nasceu com o intuito de documentar minhas viagens e andanças por aí -, eu parei de usá-lo para falar de mim mesmo. Algo em torno de 90% de tudo que eu escrevo fica armazenado em documentos do Google Drive e provavelmente jamais serão publicados, porque eu descobri que não é preciso estar na internet para existir. Quando a idéia é boa, ela não é pessoal e vai parar em outras mídias que não este blog – a mais notável é o nRT. Mas dado o abandono que pairou neste humilde site, talvez seja hora de rever alguns conteúdos pessoais e quem sabe, transformar em textos para serem cá publicados.
Para o futuro, espero publicar aqui textos de caráter mais pessoal, como histórias que aconteceram comigo e reflexões de vida – enfim, o objetivo primário deste blog mesmo. Conteúdo eu já tenho, só falta mesmo uma edição e revisão mais apurada.
Mas, mesmo se não tivesse conteúdo para aqui colocar, eu não veria problema. Estou certo que minha vida nômade não terminou ainda. Deixa a vacina chegar e eu saio pelo mundo de novo.