Bolão Pé na Cova

Eu estava no Ensino Médio quando comecei a apostar forte no Bolão Pé na Cova. Apostar em um sentido metafórico, uma vez que a competição nunca teve dinheiro envolvido. Ela se limitava a uma área do site Cocadaboa, um verdadeiro portal que, na época, testava os limites da internet. Seria o equivalente a um Cid Cidoso em formato HTML.

saudoso

O Bolão funcionava praticamente da mesma forma que hoje: era possível mandar 10 nomes de celebridades que você acreditava que faleceriam no ano e, quem marcasse mais pontos, ganhava. Simples e objetivo, como todo jogo deveria ser. Jogávamos em grupo na sala de aula, disputando contra nós mesmos e quase nunca pontuando, afinal, não é tão fácil assim adivinhar que uma pessoa vai morrer, por mais velha que ela seja. Exceto a vez que o Barba acertou a morte do Marlon Brando. Aquele ano, ele ganhou a disputa interna nossa.

Mas, com o amadurecimento da internet e, inclusive, o amadurecimento dos próprios administradores do Cocadaboa, o site acabou. É trabalhoso manter um portal de sucesso (mesmo um blog de fracasso, como este, dá um trabalho do cão às vezes), principalmente quando seu objetivo é ser disruptivo e você acaba soterrado por processos judiciais. Na época, o Cocadaboa alegava que seus servidores ficavam na Eslovênia, como tentativa de desincentivar o envio de ações judiciais. Claro que era uma balela e, mesmo se fosse verdade, os processinhos™ viriam de qualquer jeito. Era inteligente e óbvio que o site iria acabar eventualmente. E, com ele, morreu o Bolão Pé na Cova.

Post Mortem

Mas, como um grupo de amigos unidos e sem muito o que fazer, continuamos montando nossas listas mesmo depois do Cocadaboa acabar. É claro que eramos só uns três ou quatro indivíduos, cada um mandando 15 nomes (nós aumentamos o número de apostas para 15 para dar mais chance pra todos no geral) e computando os pontos no papel e caneta. Fizemos isso por mais alguns anos, mas é difícil manter hábitos quando você mesmo esquece que tinha um hábito.

Seja por falta de ânimo ou porque a gente não lembrava onde tinha colocado os papéis com a lista de cada apostador, essa idéia também morreu.

Alguns anos depois, me vi astutamente posicionado entre os primeiros desbravadores da rede social Twitter. Lá nos idos de 2007, a rede social do passarinho só tinha programadores, jornalistas obcecados por novidade, e um pessoal velha-guarda da internet. Sem ter muito com quem conversar e sem saber muito como usar a rede, acabávamos trocando idéia entre nós mesmos, e, dado o baixíssimo número de usuários, vêm daí algumas amizades que eu carrego até hoje – e, que anos mais tarde na minha vida, me trariam frutos inesperados.

Uma dessas minhas amizades de começo de Twitter era o roteirista Ulisses Mattos. Divertido, inteligente, e perspicaz, havia algo nele extranhamente familiar, como se eu já o conhecesse. Descobri posteriormente que sim: Ulisses escrevia crônicas para o Cocadaboa com a alcunha Odisseu Kapin. Para mim, era uma honra trocar figurinhas com alguém que eu curtia tanto durante minha adolescência.

As conversas (tuítes trocados seria uma definição mais acurada) com Ulisses me fizeram lembrar novamente do Bolão Pé na Cova e, veio a idéia de ressuscitar a brincadeira. Eu trabalhava como programador já na época, mas não tinha ambições muito grandes de codificar uma aplicação completa, eu queria mesmo chamar meus amigos e perguntar para eles “e aí, quem você acha que morre este ano?”

Então, em 2011, eu ressuscitei o Bolão usando essa premissa extremamente simples: mandei e-mail para duas dúzias de chegados com a questão. Havia também um objetivo social na idéia: 2011 foi o ano que eu deixei o Brasil para me aventurar no mundo, então era uma forma de manter contato com meus amigos, nem que seja para quando uma celebridade morresse, compartilhar os acertos e novidades do cotidiano.

Bolão Pé na Cova 1.0

Assim ressurgiu o Bolão. Na época eu perguntei para Ulisses Mattos se havia algum problema usar o nome eternizado pelo Cocadaboa e ele respondeu que acreditava que não. Mesmo assim, o Bolão ainda era um projeto pessoal: No dia 07 de dezembro de 2011, eu mandei alguns e-mails para duas dezenas de amigos propondo a idéia e convidando-os a mandarem suas listas. As listas chegavam por e-mail, eu guardava em um diretório no meu computador: arquivos de texto nomeados com o nome do jogador, e as apostas, uma por linha no conteúdo. Quando uma celebridade morria, eu executava um código grep no terminal e via se retornava algum resultado. Criei um subdiretório dentro do paulovelho.com e atualizava uma página HTML com as últimas notícias e ranking

O HTML da primeira versão segue guardado no backup aqui

No primeiro ano do Bolão, 14 pessoas enviaram suas listas. A diversão voltou aos obituários.

Tanto que, no final de 2012, ao me ver desempregado em um país estranho, decidi que era hora de usar meu tempo livre para automatizar alguns processos do Bolão Pé na Cova: Ao invés de enviar a lista por e-mail, um formulário simples. Criar um banco de dados para não ter que lidar com as listas em arquivos de texto. Comprar um domínio próprio para poder desvincular o jogo do paulovelho.com… Era preciso melhorar o sistema.

Bolão Pé na Cova 2.0

A primeira idéia foi instanciar rapidamente um WordPress e construir um plugin dentro para o envio de listas. Depois de poucos dias trabalhando nessa idéia, acabei descartando porque, apesar de parecer muito simples, fazer qualquer coisa no WordPress acaba sendo incrivelmente complicado.

por poucos meses, o Bolão Pé na Cova foi um blog WordPress

Decidi então usar uma dezena de classes PHP e bibliotecas que eu tinha em outros projetos e construir a solução mais simples possível. Desenhei (na mão mesmo) o mascote da morte, que serviu como logo do Bolão durante todos estes anos. Comprei o domínio bolaopenacova.com (o .com.br não estava disponível), baixei um layout pronto e subi, no final de 2013, a segunda versão do site.

O código do Bolão Pé na Cova acabou sendo reaproveitado em diversos momentos da minha carreira de programador. Se eu precisasse, por exemplo de um upload de imagens ou de um envio de e-mail rápido, eu recorria ao código fonte do Bolão para usar a classe de base para uma nova implementação. E, quando aquelas classes eram atualizadas para qualquer melhoria de performance ou nova funcionalidade, também atualizava a classe no código do Bolão. Com isso, eu tinha uma certa garantia que no Bolão eu teria o código mais atualizado possível e o sistema dele me servia como um repositório de código.

O código-base de onde surgiu tudo também era importante: funcionalidades básicas como conexão com banco de dados e tratamento de erros com log funcionavam muito bem no Bolão e acabaram virando o que depois eu trataria como um framework para todos os meus futuros projetos, algo que eu chamei astutamente de Magrathea.

Magrathea

No Guia do Mochileiro das Galáxias, Magrathea é um dos planetas mais ricos do Universo. Isso porque eles se especializaram em construir outros planetas sob medida – a Terra mesmo é um planeta pedido sob encomenda, construído por Magrathea.

É um baita nome para um framework cujo objetivo era construir outros sistemas. Mesmo não sendo minha linguagem de programação favorita, o PHP acabou se tornando uma das que eu mais usava por conta da facilidade: o Magrathea permitia que eu instanciasse um sistema completo em questão de minutos, com conexão ao banco de dados e criação de objetos. Tudo mais o que o Bolão precisasse acabava se tornando uma ferramenta padrão do framework.

Quando o ranking do site cresceu a ponto da query de retorno se tornar lenta, a solução foi a criação de um sistema de cache que retorna resultados prontos automaticamente. Essa funcionalidade foi adicionada ao framework para que todos os meus projetos futuros trouxessem isso automaticamente também.

Depois de 10 anos, porém, algumas formas de desenvolvimento se tornaram um pouco obsoletas. As minhas necessidades de sistemas evoluíram e começou a ser difícil adaptar o Magrathea para fazer certas coisas, como cuidar de uma API. O sistema de e-mails e a administração de imagens também se tornaram necessidades tão constantes que tive que criar sistemas próprios que cuidassem dessas funcionalidades – e, por conta da arquitetura meio antiga do Bolão, nem sempre essas novidades conseguiam ser implementadas nele.

Fez-se necessário uma nova versão do sistema Magrathea, com um melhor controle de versão, um melhor sistema administrativo, uma aprimoração na criação de novos projetos e uma ferramenta de desenvolvimento de APIs robusta, que eram as funcionalidades que eu mais precisava. Em 2023, comecei a trabalhar na versão 2.0 do framework. O resultado foi um sistema tão superior que percebi a necessidade de aposentar de vez o antigo. Seria o fim do Bolão Pé na Cova 2.0. Uma nova versão se fazia necessária.

Bolão Pé na Cova 3.0

Tal qual tinha acontecido 10 anos antes, o Bolão era novamente o projeto que eu usaria para testar o funcionamento do novo framework. Agora havia menos espaço para erros: com mais de 500 listas por ano, uma mudança implicaria em uma chuva de e-mails de reclamação, como às vezes acontece quando eu atraso a atualização de algum falecimento.

O sucesso do Bolão já estava sedimentado. Eu já tinha perdido o controle de seu alcance, o projeto tinha fãs dedicados, e necessidades próprias. Lembro, por exemplo, quando estava na Áustria e a Hebe morreu, e vi minha caixa de e-mails preenchida por desconhecido revindicando pontos. Também se fazia necessária uma nova definição do conceito de “celebridade“, uma vez que estava ficando difícil para mim mesmo perceber quem poderia ir no Bolão.

Algumas mudanças estruturais seriam necessárias também: a parte de análise de dados acabou se tornando extremamente relevante. Com uma base de apostadores crescente, era interessante ver a popularização de certos nomes. Por exemplo, Jair Bolsonaro, que tinha zero apostas até 2016 e que alcançou a sexta posição no ranking de mais apostados em 2019. Fascinante.

As alterações no framework e na análise de dados clamavam por uma atualização completa do Bolão. Algumas das melhorias que eu gostaria para o sistema, que seriam triviais com a versão 2.0 do Magrathea, iriam exigir um trabalho imenso no código legado. Assim, comecei a construir, aos poucos a versão 3.0 do site.

No final de novembro, entrou finalmente no ar o novo Bolão Pé na Cova. Com um novo layout, um mascotinho atualizado, uma integração com os sistemas de administração de imagens e e-mail, uma API (que pode vir a se abrir qualquer dia), e uma bem-vinda arrumada na bagunça que estavam os servidores devido a backups e gambiarras de compatibilidade de versões.

Não é só na área pública que a versão 3.0 traz grandes mudanças. As maiores alterações, na verdade, ficam atrás da cortina: uma reformulação total do sistema administrativo não só consegue me proporcionar uma administração mais fácil do Bolão como me traz ferramentas para um processo que pode acontecer em algum momento futuro: a passagem do bastão.

Quem sabe eu não aproveite essa reformulação para conseguir uma ajuda na administração do Bolão. E quem sabe eu não consiga alguém de confiança para manter a brincadeira de pé depois que eu mesmo entre nos obituários.

O Bolão Pé na Cova 3.0 já está pronto para isso.


Mande sua lista:

https://bolaopenacova.com