Quem visita o castelo de Edinburgh tem a oportunidade de passar por uma sala na qual é possível ver as jóias da coroa em exibição. As fotos são proibidas, mas os visitantes podem ver um valiosíssimo cetro de 1494, uma reluzente coroa de 1540 e uma pedra. Um paralelepípedo de pedra tedioso, de 66cm x 42cm x 27cm, pesando cerca de 150kg, de um arenito enfadonho, com um anel de ferro em cada extremidade.
Eu não poderia me importar menos com jóias, mesmo que elas sejam mais velhas do que o Brasil, mas a história dessa pedra é o tipo de atração turística que mereceu minha atenção.
A Pedra do Destino, também podendo ser chamada de Pedra da Coroação tem sua origem no século XIV: acreditava-se que ela tenha sido usada como travesseiro pelo profeta Jacó, que provavelmente sofria de torcicolos (sério que esse cara não conhecia plumas de ganso?). Ela foi usada nas cerimônias de coroação dos monarcas escoceses por séculos. Em 1296 o rei inglês Edward I invadiu a Escócia com a intenção de punir o rei escocês John Balliol, por sua recusa de ajudar o exército britânico nas batalhas contra a França. Após vencer a batalha de Dunbar, Edward I roubou a pedra que ficava na abadia de Scone – ela pode também ser conhecida como Pedra de Scone (é o nome dela em inglês). A abadia hoje tem uma réplica da pedra no lugar onde ela originalmente for roubada.
Edward I, vitorioso, levou para Londres, onde ela foi colocada em um compartimento especialmente designado para ela, debaixo do assento do trono de coroação dos reis ingleses. A mensagem era evidente: quando um rei inglês fosse coroado, ele estaria em cima da Pedra da Coroação escocesa, de forma que ele estava sendo coroado rei da Escócia também. Desde então, todos os reis ingleses têm sido coroados sentados em cima da pedra. A cadeira e sua pedra ficavam em exposição na Abadia de Westminster, até hoje o local das cerimônias monárquicas britânicas.
Em 1950 um grupo de estudantes nacionalistas estavam revoltados (é parte do pré-requisito de estudantes estarem revoltados) com o domínio inglês sobre sua amada terra de uísques, kilts e monstros em lagos. Eles estavam pensando em algum símbolo, algum gesto que trouxesse o espírito nacionalista de volta aos coraçõezinhos escoceses. Provavelmente eles estavam completamente embriagados em algum pub quando eles tiveram a melhor pior idéia de todos os tempos: eles iam para Londres roubar a Pedra do Destino e trazê-la de volta para a Escócia. Os estudantes eram Ian Hamilton, Gavin Vernon, Kay Matheson e Alan Stuart. A idéia era tão ruim que eles decidiram pegar dois carros, ir pra Londres e executá-la.
Na noite de natal daquele ano, os três rapazes invadiram a Abadia de Westminster com um pé de cabra, enquanto Kay esperava no carro, vigiando a rua. Andaram até o trono de coroação e puxaram de lá de dentro a pedra de 150kg. Ela caiu no chão e quebrou em duas. Eles levaram primeiramente o pedaço menor até o carro, e Kay partiu em direção à Escócia com meia pedra no porta-malas. O segundo pedaço, mais pesado, levou mais tempo para ser roubado e a noite já agonizava no clarão da aurora quando Ian Hamilton colocava sozinho o resto da pedra no segundo carro.
Os rapazes ouviram a notícia do roubo pela BBC rádio enquanto dirigiam rumo ao norte. A polícia já tinha pistas que o roubo tinha sido efetuado por escoceses bêbados e amadores e fecharam a fronteira entre Inglaterra e Escócia pela primeira vez em 400 anos, como uma tentativa de impedir a pedra de sair. O carro de Kay passou pela fronteira sem problemas. Como diabos uma jovem estudante dirigindo sozinha teria roubado uma pedra de 150kg, afinal? Já o segundo carro provavelmente enfrentaria problemas. Os garotos, então, decidiram enterrar a pedra em um terreno próximo, para poder atravessar a fronteira.
Os quatro encontraram em seu retorno à Escócia um país em festa. Não havia dúvidas que uma idéia tão estúpida só poderia ter vindo de escoceses. O plano havia sido parcialmente financiado por Robert Gray, um político nacionalista escocês que adorou a ousadia dos garotos.
– E onde está a pedra? – imagino Gray perguntando aos estudantes em seu retorno.
– Enterramos em um campo próximo a Kent, antes de cruzar a fronteira.
– Você está me dizendo que vocês roubaram uma pedra histórica de 800 anos, que foi sempre mantida em condições ideais de preservação, e não só quebraram ela durante o roubo, mas enterraram a maior metade em um lugar aonde ela vai ser afetada por umidade e pelas ações do clima?
– Bom… é.
Depois que a fronteira foi aberta, os estudantes voltaram ao campo aonde a pedra fora enterrada. Um acampamento de ciganos estava montado no local. Negociar com ciganos deve ter sido a tarefa mais fácil de todo o plano – e finalmente a pedra foi levada para a Escócia. Robert Gray contratou um especialista para remendar a pedra, que foi posta de novo unida como um único bloco. No meio dela, antes do remendo ter sido feito, Gray escreveu uma mensagem em um papel que foi ali colocado. Até hoje, ninguém sabe o que está escrito na nota no meio da pedra.
A polícia inglesa não ia descansar até encontrar os responsáveis pelo roubo. Os quatro estudantes, em abril de 1951 enviaram uma mensagem às autoridades indicando o local para a recuperação do artefato: eles estariam esperando junto com a pedra no altar da Arbroath Abbey, abadia na qual em 1320 foi assinada a declaração de independência escocesa. Mais significativo, impossível.
Os estudantes foram acusados como responsáveis pelo crime, mas não foram punidos. O governo inglês, sabiamente, imaginava que um processo na altura iria torná-los heróis e poderia acender novamente o espírito de independência escocês.
A pedra retornou à abadia de Westminster em 1951. Ficou lá até 1996, quando o governo inglês decidiu “emprestar” de volta à pedra aos escoceses e ela foi levada de volta para Edinburgh, deixada em exposição na sala das jóias reais. Ficará lá, pelo menos, até a Rainha Elizabeth bater as botas, momento no qual a realeza inglesa precisará ir buscar a pedra para uma nova cerimônia de coroação britânica. Uma tradição que segue desde 1296.
É muito para uma pedra.