Rinha de Oktoberfest

Uma aprofundada análise comparativa entre a Oktoberfest de Blumenau e a de Munich

História

Em outubro de 1810, meu rei germânico favorito, o Rei Ludwig I, finalmente casou-se com a princesa Therese von Sachsen-Hildburghausen. A princesa era gata e o cara ficou tão emocionado com o próprio casamento que decidiu dar uma festa para a cidade inteira de Munich, a capital da Bavária. Todo o povo da cidade foi, encheu a cara, e viu uma grande corrida de cavalo, que parece que era um show dos Beatles do século XIX.

A festa foi, aparentemente, tão boa que, em 1811, alguns cidadãos chegaram pro Rei com a idéia “Vossa Majestade. Um ano de casado, não rola mais uma festinha não?”. Ludwig não deve ter hesitado muito para celebrar de novo e começar assim, meio que por acidente, uma tradição que já conta com mais de 200 anos.

Já a Oktoberfest de Blumenau tem uma origem um pouco mais humilde. Ela surgiu com a idéia da celebração da Festa do Imigrante alemão, que ocorreria em julho de 1983, mas foi adiada por conta de uma enchente (dentre as várias que normalmente atingem Blumenau). No ano seguinte, para a surpresa de quase zero pessoas, outra enchente. Aí os organizadores já tinham decidido jogar a festa para outubro mesmo, e mudar o nome dela para Oktoberfest, de forma a remeter à festa original. O fato que o secretário de turismo da época, Antônio Pedro Nunes, tinha uma agência de turismo que vendia pacotes para a Alemanha (inclusive para a Oktoberfest), com certeza ajudou na execução da festa, agora vendida como uma demonstração da resiliência local mediante a tragédia climática.

O fato é que as duas Oktoberfests são sucessos e não param de crescer. Tendo freqüentado diversas vezes a Oktoberfest de Munich (chamada de Wiesn pelos alemães) e revisitado a Oktoberfest de Blumenau este ano, fica a dúvida:

E no que mais elas seriam comparáveis?

*** Cultura ***

Munich: Obviamente, é uma festa fortemente pautada pela cultura bávara. A música alemã toca em peso, tem todo o contexto histórico do evento, etc. Hoje em dia, a maioria do público frequenta a festa com seus lederhosens e dirndls. As músicas variam entre as típicas canções alemãs já próprias do evento e umas inserções pop muito bem vindas, mesclando elegantemente com o tradicional. As toneladas de turistas estrangeiros que se embebedam por lá não parecem ter afetado as tradições. 9/10

Blumenau: Curiosamente, também é uma festa fortemente pautada pela cultura alemã. As músicas e shows são principalmente de músicas alemãs e eu não aguentava mais ouvir Fliegerlied depois de três dias. Também há uma mescla esperta com umas inserções pop, como uma seqüência de Mamonas Assassinas vez ou outra, mas isso não ocorre com tanta sutileza como em Munich. Isso faz com que o repertório da festa pareça um tanto limitado. Entre o público, há os lederhosens e dirndls e uma porção de chapéuzinhos alemães, mas nem de perto chega a ter o charme alemão. Nos últimos anos, a festa ainda decidiu abraçar uma dezena de patrocinadores aleatórios que criam estandes com “ativações” no meio do evento, mesmo que não faça nenhum sentido com a cultura alemã. Ainda assim, tem uma parada no centro da cidade e Blumenau colabora muito com o clima. 7/10

*** Logística ***

Munich: Munich é a terceira maior cidade da Alemanha e um hub conectivo da Baviera: todas as principais rotas de trem, estradas e vôos da região chegam por lá. O transporte é fácil e rápido, mesmo com os constantes atrasos da DeutscheBahn, que mancham a imagem da eficiência alemã. Não é difícil chegar na festa, mesmo que o turista esteja vindo de longe. Além de ter muita coisa para fazer nos arredores: Munich é uma jóia turística e dá pra visitar castelos, lagos, cidades vizinhas e até campos de concentração. Apesar da DB, nota 9/10

Blumenau: Já chegar em Blumenau é um saco. O aeroporto mais perto é Navegantes e o transporte é unicamente rodoviário. Quem se hospeda pela cidade têm que enfrentar altos preços das moradias; e quem se hospeda nos arredores têm que ficar esperto no horário dos ônibus, que também é um tanto inconstante. Apesar da fofura de algumas cidades próximas, como Pomerode, a principal atração da região acaba sendo o Beto Carrero World, que também é razoavelmente longe. Conseqüências mais do país onde a festa acontece do que do evento em si, mas não dá pra negar as dificuldades para o turista. 3/10

*** Público ***

Munich: Italiano demais, turista demais. Recomendo os galpões da Augustiner, preferidos pela população local. Não recomendo de jeito nenhum o galpão da HB, que só tem turista e as garçonetes não se importa em serem abusivas, mal-educadas e explorar os visitantes. O pessoal fica bêbado de desmaiar, e parece que há uma colina própria para isso. Já o público feminino é simplesmente perfeito, sem falhas. 8/10

Blumenau: Há pouquíssimos turistas estrangeiros em Blumenau. O público maior é de sulistas (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul), mas é claro que dá para encontrar pessoas do Brasil inteiro. No quesito bebedeira, eu ouso dizer que Blumenau entorna o caneco com mais responsabilidade do que Munich, mas obviamente minha opinião acaba enviesada por ser um público ridiculamente menor. Já o público feminino é simplesmente perfeito, sem falhas. 9/10

*** Cerveja ***

Munich: Apenas seis cervejarias estão na Oktoberfest de Munich: Augustiner, Hacker-Pschorr, Hofbräu, Löwenbräu, Paulaner e Spaten. Se você frequentar o suficiente, consegue desbloquear a Franziskaner (tem que ir no Oide Wiesn, que só fica gratuito à peble depois de certo horário: tem que querer muito e saber as manhas). A cerveja é (basicamente, para simplificar) somente uma: Oktoberfest Helles, vendida unicamente em taças de vidro gigantescas de um litro. Se quiser beber menos do que isso, ali não é lugar. E se quiser beber algo diferente, também não; o pessoal leva a sério essa tradição. Mas é realmente uma excelente cerveja, não importa em qual das cervejarias você vá comprar a sua. 9/10

Blumenau: Sendo polêmico: em alguns pontos, a cerveja em Blumenau é melhor do que em Munich. A começar pela variedade: não há só Pilsens. Eles dão espaços para micro e pequenas cervejaris locais, que se metem a vender IPAs, APAs, ALEs, e até Stouts. A principal patrocinadora hoje em dia é a Spaten, algo louvável, mas corruptível: se em Munich eles não aceitam novas cervejarias, não importa o motivo, não dá para ignorar que Blumenau já foi patrocinada pela Kaiser e Antartica. As cervejas são vendidas em copos de plástico, com 400ml. Hoje em dia, porém, com Spatenzinhas e uma variedade admirável de estilos, Blumenau está em pé de igualdade com sua irmã mais velha, nem que seja por motivos diferentes. 9/10

*** Preço ***

Munich: Tudo na festa é absolutamente caro. Nos diversos Biergartens de Munich, é possível comprar um litro de Helles por cerca de 9 ou 10 euros. Dentro da festa, o valor explode: cada copo sai pelo menos o dobro disso, pagos unicamente em dinheiro (incluindo a gorjeta para a atendente). Na questão da comida, também é tudo muito caro. Vá com dinheiro ou chegue bêbado e bem alimentado. O bom é que tem bastante cerveja e comida alemã nos arredores do Theresewiesen. A festa é gratuita, o que ajuda um pouco na nota. 3/10

Blumenau: Cobrando um chope pilsen por R$15 e outros estilos por R$17 (podendo chegar até R$21, dependendo do estilo/cervejaria), o valor pode ser considerado no mínimo justo – e até barato. A comida também não custa um rim e é bem tradicional. E a água é de graça, uma imensa vantagem para quem não quer passar mal e um grande avanço em comparação à Munich, onde os postos de água estão do lado de fora dos galpões e apenas em dois pontos específicos. A festa é paga nos sábados e sextas à noite e, se antigamente quem estivesse vestido em trajes típicos não pagava, agora eles limitaram ao benefício da meia entrada. 8/10

*** Tamanho ***

Munich: É a maior festa do mundo. Recebeu cerca de 7 milhões de pessoas em 2023 e 2024 (mais ou menos). Um absurdo para uma cidade de 1,5 milhão de habitantes. São 17 galpões gigantescos, parque de diversões, barraquinhas menores de comida, montanhas russas, rodas gigantes… É impossível visitar e conhecer tudo de uma vez. Sério, palavras não explicam a dimensão do evento; eu demorava para dar volta de bicicleta em torno de Theresewiesn. 10/10

Blumenau: É a segunda maior Oktoberfest do mundo. Um feito considerável, pensando que ela consegue ser maior do que as outras Oktoberfests da Alemanha e Áustria. Recebeu em 2023 e 2024 entre 500 e 600 mil pessoas, um grande feito para uma cidade de cerca de 350.000 habitantes, mas ainda assim não tem como competir com Munich. Falta espaço aberto, que deveria ser melhor aproveitado, principalmente com os bonitos dias que faz na região. Digamos que, se você precisa encontrar um amigo do outro lado da festa em Blumenau, você chega lá fácil. Em Munich você desiste. Comparação injusta, mas… 6/10

*** Festa ***

Munich: Nos problemas: só é possível pegar chope estando sentado. Os salões são tomados por mesas e as garçonetes só atendem quem estiver ocupando uma. Isso é um problema: Freqüentemente é difícil arrumar um lugar, principalmente para quem chega mais tarde. Mas também é uma dádiva: você constantemente acaba dividindo a mesa com outras pessoas e faz amigos imediatamente. Assim que a música começa, todos sobem nas mesas e dançam brindando loucamente. O clima é ótimo. Há um parque de diversões razoavelmente grande, com algumas montanhas russas, tobogãs, elevadores que despencam e uma cacetada de outros brinquedos. E, consequentemente, um espaço aberto gigantesco ligando todos os galpões. 9/10

Blumenau: Ao invés de mesas, são grandes salões abertos. Isso é uma vantagem: não é necessário estar sentado para pegar um chope, e dá pra sair dançando na frente do palco – e as bandas se aproveitam disso para fazer um monte de coreografia nas limitadas músicas de seu repertório. Há mesas sim, claro: para quem quiser comer ou descansara as abusadas panturrilhas. Mas elas não atrapalham. Geralmente todo mundo compra uma caneca de metal, para não precisar ficar bebendo em copo de plástico, mas é verdade que as pesadas canecas de vidro fazem falta. Assim como lugares abertos: Apesar da fofa disposição da vila germânica, não dá para ficar muito ao ar livre sem achar que está atrapalhando. Também há um mini-parque de diversões, mas parece que é só para marcar presença mesmo. Para resumir: dá para passar um dia inteiro na Oktoberfest de Munich sem cansar; já em Blumenau, você corre o risco de ficar entediado depois de algumas horas. 8/10