DrawSomething – Ignore Hitler

Tal como o orkut e o Carlos Cachoeira, o DrawSomething saiu de moda. Por pura fanfarronice, eu tinha uma dedicação meio exagerada ao joguinho, o que acabava me deixando sem muito tempo para outras coisas – trabalhar, por exemplo – e triplicava a minha média diária de minutos passados no banheiro.

A minha dedicação também não era compartilhada por todos os jogadores. Uma vez, eu desenhei todos os Avengers, bonitinhos, espremendo o martelo de Thor na telinha e caprichando nos seios da Viúva Negra, tudo isso para minha nobre adversária se cansar aos 15 segundos de jogo e desistir antes de qualquer personagem estar completo.

Gangster
Gangster? Sério?

Mas a parvoíce mais legal do DrawSomething era com certeza o “Ignore Hitler” – http://ignorehitler.tumblr.com/

Como eu sou um paspalho metido a besta, também embarquei na modinha:

Agradecimentos à Mariana Bueno e Cibelly pelas melhores partidas…

Meu guarda-chuva

As características londrinas mais marcantes talvez sejam: a alimentação baseada em tubérculos com peixe, a pontualidade britânica, o ministério de silly walks e a constante chuva.

É quase desapontador, depois de morar um bom tempo em Londres, perceber que kebabs são mais populares que o Fish’n Chips (apesar de ser popular o feijão no café da manhã); os trens perto de casa quase sempre atrasam uns dois minutos; não consegui encontrar tal ministério até o presente momento (apesar de ver várias pessoas fazendo silly walks aleatórios nas ruas) e descobrir que o sol também costuma dar as caras por aqui.

Londres é, na verdade, a cidade mais seca do Reino Unido, com uma média de apenas 583 milímetros de chuva por ano. Em São Paulo, por exemplo, chove cerca de 1380mm/ano. A diferença é que, ao invés de uma torrencial tormenta alagadora de avenidas, a capital inglesa é constantemente atingida por chatíssimas garoas leves. E assim, apesar dos dias lindos que costumam aparecer, o tempo nublado prevalece, tornando inexplicável a presença de vários relógios de sol históricos.

Tal como São Paulo, é prudente sair com um guarda-chuva: o clima é imprevisível até para Rosana Jatobá. Uma garoa diária é sempre esperada, para a desgraça dos não-precavidos e alegria dos vendedores de rua. Pra enriquecer e movimentar ainda mais a indústria, a precipitação pluvial inglesa costuma vir acompanhada de um vento horizontal ideal para uma caravela, que arrasta folhas e jornais, destrói guarda-chuvas e levantaria o vestido das garotas, se elas já não usassem aquelas mini-saias justas que ficam coladas ao corpo e são tão curtas que não precisam de ventania para mostrarem as suas bundas (ou a ausência delas).

Esses mini-tufões aquosos já foram os responsáveis pela aniquilação de vários guarda-chuvas meus. Em certo momento eu percebi que talvez não fosse tão inteligente eu continuar comprando essa porcaria de guarda-chuva, que custa entre três e cinco libras, cuja estrutura metálica se rompe em 40 pedacinhos ao enfrentar a primeira chuva (ou se você abri-lo de forma muito abrupta). Depois do segundo guarda-chuva estragado em menos de uma semana, eu decidi que era um estúpido por continuar comprando esse lixo barato: era hora de enfrentar o clima com uma arma decente.

James Smith & Sons
James Smith & Sons

Fui então na James Smith & Sons, a mais notória loja de guarda-chuvas de Londres. Inaugurada em 1857, o lugar é um paraíso para os entusiastas pluviais. É fácil encontrar guarda-chuvas de até 700£, com cabos lindamente esculpidos em vários formatos e desenhos e em dezenas de materiais, como marfim, madeira, fibra de carbono, vibranium ou adamantium.

DrawSomething

Eu adoro desenhar. Por isso, tenho me divertido muito com o DrawSomething. Apesar do meu dedo ser mais gordo do que devia e isso por vezes me irritar, ainda consigo alguns resultados esplendorosos algumas vezes.

Meus desenhos no DrawSomething:

Os desenhos de meus amigos no DrawSomething:

Às vezes eu simplesmente tento montar palavras com as letras disponíveis enquanto assisto algum vídeo de arte abstrata.

Pensamentos da Angel Station

Há uma estranha tradição londrina que faz os ônibus mudarem o ponto final deles no meio do caminho. Costuma acontecer com mais freqüência do que devia e você é simplesmente abandonado na metade do trajeto. Por sorte, a malha de transporte público londrina é invejável, então, quando numa terça-feira eu fui abandonado na Angel Station (a caminho de Barbican), foi fácil adaptar minha rota.

Quadros de avisos nas estações estão presentes para mostrar informações sobre atrasos, problemas de funcionamento nas linhas ou fechamento temporário de estações. Várias manutenções estão sendo feitas preparando a cidade para as Olimpíadas, então é meio comum trechos do underground serem fechados em alguns dias.

O quadro de avisos na Angel Station me chamou atenção aquele dia. Ao invés das informações ao usuário, ele continha uma piadinha, daquelas dignas de twitter. “If heat makes things expand, then I’m not FAT… I’m just really HOT!“, dizia.

Diariamente os funcionários da estação, todo fanfarrões, atualizam o quadro com uma gag, um trocadilho, um pensamento novo… Citando frases de Albert Einstein a Homer Simpson (tenho minhas dúvidas de quem seria mais genial), as mensagens entretém os sisudos passageiros londrinos. Às vezes é mais útil do que reportar pequenos atrasos.

customer information
AVISO: Metrô de Londres informa!

Um blog com as frases diárias entrou em funcionamento ano passado: http://thoughtsofangel.com/. Alguns exemplos de mensagens que já foram publicadas no quadro:

  • Don’t go to bed angry. . .  Stay up & plot your revenge
  • Childhood is like being drunk. Everyone remembers, except you!
  • Why does the government try to stop us drinking and smoking. But then moan that we are living too long???!!!
  • My wife and I were happy for 20 years… Then we met.
  • If you feel like doing some work. Sit down and wait… the feeling soon goes away.
  • I still miss my ex… But my aim is improving.
  • “I feel sorry for people that don’t drink… Because when they wake up, that’s the best they’re going to feel all day.” (Frank Sinatra)
  • When I was born I was so surprised… I didn’t talk for a year and a half.
  • There is a fine line between fishing and just standing on the shore like an idiot.
  • When your ex says you’ll never find anyone like me, reply that’s the point!
  • A bus station is where a bus stops. A train station is where a train stops. I have a work station…
  • The trouble with being punctual  it’s that nobody is there to appreciate it.
  • Is it true that cannibals don’t eat clowns because they taste funny?

(Não traduzi pra não perder alguns trocadilhos ótimos)

A estação de overground Shoreditch também usa seu quadro de avisos para colocar fanfarronices. O tumblr http://boardscribe.tumblr.com/ tem algumas pérolas da estação, apesar de estar terrivelmente desatualizado.

Rebecca Black has a new song
Nem sempre as mensagens são positivas.

Gostei da iniciativa. Talvez funcionasse por alguns dias no Brasil, até algum usuário se sentir ofendido e processar a estação.

Rotina Londrina

Já estou há mais de seis meses vivendo em Londres. Por vezes me perguntam como é a vida por aqui (mentira, ninguém pergunta nada; Mas eu quero dizer mesmo assim). Fui reportando então, de forma detalhada, como é a rotina na divertida capital inglesa.

Meu dia útil começa por volta das 7h15, quando o despertador de meu telemóvel toca pela primeira vez. Eu o desligo. Ele volta a tocar algumas vezes e eu acabo levantando da cama entre em algum período compreendido entre 7h30 e 9h.

Meu humilde quarto fica no segundo andar (ou terceiro, se você desconsiderar a existência do térreo) de uma agradável residência em Hackney (zona 2), a norte do centro de Londres. É dividido com alguns italianos e espanhóis – eu não era muito próximo deles no começo, mas depois de duas garrafas de vodka, fiquei amigo do pessoal. Todos eles estão em Londres para aprender inglês, mas não falam nem “The book is on the table” – exceção do italiano que ocupa o quarto ao lado do meu, e é crupiê do maior cassino da Inglaterra -, então nos comunicamos com uma espécie de “espanhaliano”.

Meu quarto em Londres
The mess is on the bed

Meu quarto: Em uma parede, o mapa europeu me ajuda a lembrar aonde estou nas manhãs de ressaca. A nobre flâmula nacional jaz fixa defronte, para lembrar-me daonde eu sou e para assustar os vizinhos e companheiros de casa.

Eurotrip pelos Estados Unidos

Continuação direta dos meus primeiros dias em Londres

Mesmo sendo um emprego que não me agradava, a segurança de um trabalho me deu a tranqüilidade e o dinheiro suficiente para procurar calmamente por outro. Sem contar que era muito fácil não fazer nada naquele emprego – até mesmo porque eles não me davam tarefa nenhuma. Eu nem precisava ficar jogando poker online o dia inteiro com a justificativa de estar testando o sistema.

Paralelamente ao trabalho, inciei diversos processos seletivos. Um deles envolveu várias etapas, culminando com um dia final contendo um rodízio de entrevistas, das 10h às 17h. O processo seletivo, porém se mostrou extremamente ineficiente, uma vez que eles chegaram à conclusão de me contratar.

Já que eu me considerava um inútil naquela empresa, abandonei meu emprego no site de pôker antes de terminar meu aviso-prévio (o que eles poderiam fazer? me demitir?). Na minha última semana de trabalho, havia recebido uma ligação do meu futuro/atual emprego perguntando se eu podia ir para os Estados Unidos fazer parte de um treinamento. Era uma quinta-feira quando eles me ligaram. Naquele domingo, 11 de dezembro, eu estava partindo para os Estados Unidos, para passar uma semana em Indianápolis e uma em Raleigh.

Tio Dino
Tio Dino

Primeiros dias em Londres

Parlamento
O Big Ben está começando a entortar porque o parlamento é, na verdade, feito de cortiça...

Foram seis divertidos meses que eu passei em Portugal. Quando eu parti da península Ibérica, no começo de setembro, com a idéia de fazer um mochilão pela Europa com amigos, eu já não tinha pretensão nenhuma de voltar. Assim, eu adquiri um problema: eu ia terminar a viagem em algum lugar aleatório e terrivelmente longe de onde ela começou. E, sendo uma viagem com gente jovem, forte e maluca, não fazia sentido carregar mais pertences do que aquilo que coubesse em meu mochilão de viagem. Então, coloquei em minha outra mala todos os pertences que eu achei que não precisaria (calças de neve, grossas blusas de frio, uma tablet de desenho, tomadas extras para o falecido macbook, alguns livros que eu ainda não li e quase todas as roupas sociais que eu tinha, exceto por uma camisa que deixei na mochila para se surgisse uma oportunidade de emprego no meio da viagem), com os planos de despachar essa mala para algum lugar que fosse mais próximo do meu futuro desconhecido destino.

Entre as alternativas que eu tinha, envolviam uma tia em Paris, um amigo na Bélgica e um amigo na República Tcheca. Meus planos eram mais obscuros do que programação do SBT, mas eu tinha uma forte propensão para ir à capital francesa com o objetivo de aprender francês e comer baguete. Lá se foi então minha mala conhecer a França. E lá fui eu conhecer o resto da Europa…

Então, Londres

O relógio da torre marcava 5h40 quando eu saí da casa de meus tios em Hengelo, na Holanda. Era uma segunda-feira, 10 de outubro de 2011 e eu estava cansado. Nos trinta dias que se passaram desde minha partida de Portugal, eu havia visitado cinco países e uma oktoberfest com três grandes amigos que vieram do Brasil (Andrey, Gabi e Ormeni, SEUS LINDOS!), numa eurotrip mais divertida do que falar mal de ex. Quatro dias antes eu tinha me despedido deles em Amsterdam e, sem outro destino, parti em direção à casa de meus tios, que estavam se mudando na altura para a Holanda para viver lá a trabalho por um tempo.

Torre de Hengelo
A torre de Hengelo

Estava realmente muito frio. Uma garoa fina caía, mas eu não achei que fosse o suficiente para abrir meu recém adquirido guarda-chuva. Havia comprado-o um dia antes: eu sabia que ir para Londres sem guarda-chuva é como ir para o Rio de Janeiro sem seguro de vida. Além de minha ferramenta proteccional contra água caída do céu, eu usava duas camisas, uma calça jeans absolutamente nova (uma vez que minha velha calça havia cedido por completo ao furo que já tomava conta da região glútea) e o mesmo par de botas e a mesmíssima blusa que eu usava quando cheguei em Lisboa, exatos sete meses antes.

A vez da rúcula

Isto é uma resposta à deselegante picardia escrita pela genial (e lindinha) Vanessa Barbara. Seu texto (o dela, não o seu; a não ser que seja a própria Vanessa que estiver lendo, aí seria efetivamente o seu) é preconceituoso, esquerdista e ruculofóbico, a despeito de ter sido tão eximiamente bem escrito. E, por mais que me doa uma acusação deste nível, é importante deixar claro que a obra da supracitada jornalista é recheada de inverdades.

Todo mundo gosta de uma boa polêmica, por mais que afirme o contrário. Essas grandes questões acalentam as discussões nas mesas de bares, nos programas desportivos, nas mesas redondas televisivas e destroem alguns casamentos e amizades de anos. Mas, por conta de uma característica própria do ser humano que adora tomar partido em alguma coisa, convém sempre elas serem discutidas.

“iPhone ou Android?”, “Jessica Rabbit ou Lola Bunny?”, “Votar no Maluf ou atirar-se na linha do trem?”, “Na sua casa ou na minha?, SUA LINDA.”… Eu adoraria fazer uma síntese enumerando diversas questões desse tipo, mas percebi que estava praticamente copiando o argumento introdutório rival, então vou passar logo à questão “Agrião ou rúcula?“.

Vamos às brássicas:

O agrião, é bom deixar claro, sempre foi uma hortaliça de cunho elitista, presente em grandes banquetes reais dos séculos passados. É um vegetal tão fresco que sua parte folhosa só começa depois de um longo caule, como se tentasse ficar sempre por cima. A rúcula é o exato oposto: uma folha serrada se extendendo junto com o caule, como se toda a planta quisesse dizer “Estamos juntas nessa! Vamos até a terra buscar nossa seiva!”

Todos amam rúcula!
Todos amam rúcula!

A rúcula é viril, é inteligente, é forte e dominante. Foi banida de mosteiros porque acreditava-se que era afrodisíaca. E talvez realmente seja. O consumidor típico de agrião pode até passar uma mensagem fofinha, daquelas que o Greenpeace ou a PETA tentam vender em suas campanhas. Mas é o apreciador de rúcula que vai revolucionar  o mundo. O comedor de rúcula deixa uma impressão de “Não estou satisfeito com a atual situação do planeta e vou fazer alguma coisa para mudar!”.

A rúcula não vai murchar e tornar-se intragável se você quiser adicioná-la em sua pizza. Ela vai para o forno com uma felicidade de fazer inveja à muzzarela e volta à sua mesa como se dissesse “Me chama de caprese e me devora!”. É a salada dominante. É o folhoso sociável, bem aceito com a linguiça do churrasco, com aquele sanduíche de queijo minas, com uma degustação hedonista de queijos e vinhos finos ou até como apetrecho ilustrativo em alguma sobremesa mais pitoresca.

A rúcula não é só povo. Ela também é classe média, classe alta e classe baixa. Ela nasce nas juntas de calçadas como se quisesse servir a todos.

Obrigado, rúcula! Algumas pessoas podem não ver que você está se esforçando para deixar nosso mundo um lugar melhor; mas você está fazendo a sua parte!

Lisboa – Parte 3

Terceira parte da minha saga pessoal de seis meses em Lisboa.

Janelas de Alfama

Crise!

A União Européia instituiu o euro em janeiro de 2002. Já faz quase 10 anos, mas parece que eles ainda não acostumaram sua economia à unificação da moeda.

Não sou nenhum economista – muito pelo contrário -, mas parece que é tudo relacionado com o câmbio, que devia flutuar de acordo com a produção, mas acaba se mantendo preso às definições continentais. Algo complexo demais para eu entender bêbado e chato demais pra eu me preocupar sóbrio.

A crise se espalhou. Países mais fracos, como a Grécia (ou meu Portugalzinho) foram os primeiros a sentirem. A situação ficou tão ruim que surgiu um bloco chamado “PIIGS”, composto pelas iniciais dos países nele pertencentes: Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha. O nome PIIGS também é uma associação a “Porco”, que implica que a coisa nesses países anda tão ruim quanto no time do Palmeiras.

A Grécia é atualmente o lugar que tem a situação mais delicada. A situação por lá anda tão ruim que eles já até ameaçaram abandonar o euro. O país está juntando os cacos, como sempre fazem após um casamento. Os portugueses olham atentamente a situação da Grécia: sendo o segundo país mais fraco do bloco, a decadência de um vai automaticamente empurrar o outro pra baixo.

A crise em Portugal deve ser abrandada agora com uma ajuda externa do FMI. Algumas outras medidas emergenciais estão sendo tomadas para suprir o atual rombo da economia, o que inclui um imposto extra extraordinário no décimo terceiro salário de todos os portugueses; um imposto pesado, de 50% de tudo o que for acima do salário mínimo.

Alguns portugueses mais desesperados já estão trocando piadas por comida.

Mas a coisa não anda feia só na terrinha. Ainda na península ibérica, uma revolta popular tomou conta das ruas de Madrid exigindo algumas mudanças políticas no sistema de votação da Espanha. O protesto se espalhou até aos espanhóis residentes em Lisboa que, em maio, para apoiar os compatriotas, fizeram um acampamento na praça do Rossio em Lisboa, extendendo o protesto. A Espanha segue com uma taxa de 20% de desemprego e uma série de protestos pelo país.

Até países com uma economia forte e boa produção, que não fazem originalmente parte do PIIGS estão começando a sentir os efeitos da crise européia, como a França.

Entre os problemas políticos é estranhamente curiosa a situação da Bélgica. A Bélgica é um país bizarro. Ela é composta de uma metade francesa, uma metade propriamente belga e uns pedaços alemães, incorporados depois da Segunda Guerra (ou algo do tipo). A Bélgica possui então, um governo e um parlamento distinto para cada uma dessas partes. E elas devem entrar em acordo para formar um governo belga centralizado. Obviamente que fazer três parlamentos entrarem em acordo é como resolver uma pendência entre duas garotas brigadas entre si, só que sem a ajuda de uma luta no gel bem organizada. É por isso que a Bélgica já está há mais de 400 dias sem governo – e não parece que vai conseguir se organizar politicamente em um futuro tão imediato. Durma com um barulho desses.

Tão grande como a crise é a crença européia de que agora o Brasil é o país da vez. “O que diabos você está fazendo aqui? Se eu pudesse, eu iria mesmo era pro Brasil”, me disseram várias pessoas sem perceber que eles realmente podem ir pro Brasil. O país está realmente crescendo, mas ainda assim estamos sendo altamente superestimados por aqui.

Problemas políticos e corrupção definitivamente não é algo exclusivamente brasileiro. O que é vergonhoso mesmo é a forma como os políticos da República das Bananas se sentem livres e eternamente impunes, e a forma como os brasileiros são tratados como bestas. Crise nenhuma em país nenhum se assemelha a isso.

E assim a economia européia segue em uma ligeira decadência; Os Estados Unidos possuem uma dívida astronômica e a Inglaterra teve problemas sérios com a violência assolando as ruas… O Brasil pode ainda não ter virado primeiro mundo… Mas parece que o primeiro mundo virou Brasil.

Minha segunda casa

A vida de desabrigado seguia e eu não podia depender da boa vontade de amigos pelo resto de minha estadia em Lisboa – principalmente porque todos estavam indo embora e a quantidade de casas dispostas a oferecer um pedaço de chão para um brasileiro dormir se reduzia como virgens em um carnaval.

Voltei então ao site que oferecia habitações a estudantes. Com tantas pessoas indo embora, não deveria ser difícil encontrar uma nova casa disponível, em uma boa localização e a um preço acessível. Realmente não foi.

Aluguei rapidamente um quarto absurdamente bem localizado, em um apartamento no Baixa-Chiado, na região central de Lisboa, a 100m de duas linhas de metrô e com vista para o Castelo de São Jorge. O apartamento era habitado por três italianos divertidíssimos – e eu, que estava me dedicando a tentar aprender francês, mandei a língua às favas em troca de estudar italiano (lógico que, a partir do momento que eu tentei aprender duas línguas ao mesmo tempo eu consegui habilmente não aprender nenhuma).

Como bons italianos, meu período na segunda casa foi a época que eu mais me alimentei. Quase toda noite vinham visitas novas para comer alguma coisa – em 100% das vezes era massa, geralmente com atum. Atum era o combustível que impulsionava nossas vidas.

Os italianos eram pessoas ótimas. Massimo, de Torino, um dia me disse que o almoço dele se baseava em bolachas com atum. Quando perguntei se ele colocava uma maionese, pra ficar pastoso, ele foi direto. “Não! Atum tem que ser puro. Sou conservador.”

Jantar em casa
Mais um típico jantar baseado em massa com atum

Jack e Jacopo eram os outros dois habitantes da casa. Ao contrário das outras residências que eu fiquei, os italianos não eram estudantes, mas estavam em Lisboa trabalhando – apesar da faixa de “Greve Geral” que seguia estendida em nossa sala. A rotina então era menos acadêmica, o que incluía os moradores acordando cedo e, por vezes, até lavando a louça.

Tal qual nas outras casas, porém, essa também recebia constante visitas que dormiam na sala. Às vezes de amigos que moravam em Lisboa mesmo, mas não numa região tão central quanto nós (que estávamos a 3 minutos do Bairro Alto, central da boêmia Lisboeta). Outras vezes eram francesas que alguém conheceu na praia, italianos viajando a Europa de moto ou embriagados amigos brasileiros meus que vieram me resgatar e levar para a Oktoberfest.

Lamento o fato de só ter ficado dois meses nessa casa. Foi uma casa que se mostrou muito acolhedora, não só a mim, mas a todos que agüentavam subir os cinco andares de escada que levavam até ela.

Pelo Tejo vai-se para o mundo

Parece incrível pensar que eu fiquei só seis meses morando em Lisboa. Às vezes parece que foram anos, outras vezes parece que tudo passou tão rápido quanto uma ejaculação precoce. A pessoa perdida que chegou aqui em fevereiro é inefavelmente diferente da pessoa ainda perdida que está deixando Lisboa em setembro.

Eu nunca fui um cara sentimentalista. Muito pelo contrário, eu sempre me achei completamente desprovido de emoções. Mas foi curiosíssima a montanha-russa que se passa estando sozinho longe dos amigos e da família. Por diversas vezes me vi sozinho, triste e deprimido para, 15 minutos depois estar eufórico, animado e ansioso com alguma coisa. Essa montanha-russa parece constante. É como se meu estado psicológico tivesse finalmente despertado e ficasse pulando feito um retardado, por vezes chutando, outras afagando o meu hipocampo, quase causando uma pane em meu sistema límbico.

Aprendi a ser organizado. Aprendi a controlar meu dinheiro.

Tive uma aproximação muito maior de alguns amigos no Brasil. Parece que ter ido para longe de certas pessoas só nos fez ficar mais próximos.

Meus amigos do Brasil são um caso particular. A família é obrigada a nos agüentar pelo resto da vida, então eles não vão conseguir se livrar de mim. Os amigos não. Por isso que eu me senti muito fortalecido por tudo que meus amigos fizeram por mim. Eu sinto que, se eu voltasse para casa agora, seria como se eu nunca tivesse saído – acho que a proximidade com algumas pessoas que eu deixei até aumentou.

Também fiz ótimos amigos em Portugal – não só em Lisboa, mas espalhados por este pequeno país. Com o tempo, aprendi a gostar desta malta fixe que atende o telemóvel dizendo “Estou?”.

Amo Lisboa e a cidade me acolheu estupidamente bem. Mas no final de agosto, a vista do Castelo de São Jorge já não me impressionava como antes. Já conhecia o horário dos bondinhos, as pedras soltas da calçada da Rua Augusta e já não me perdia nos labirintos de Alfama.

Agora era a hora de eu ir embora.

E eu fui.

Lisboa – Parte 2

A minha primeira casa era alugada pelo Hugo que, por sua vez, sub-alugava os quartos para o restante dos pobres moradores – todos estudantes em intercâmbio. Eu sabia então que, ao fim do ano letivo de Erasmus eu teria que procurar algum outro lugar para morar – lembrando que na Europa, assim como nos Estados Unidos ou em Hogwarts, o ano letivo vai de setembro a junho.

Era previsto então que eu deixasse a casa no começo de julho. A novidade foi em maio o Hugo me chamar para contar que alguns fatores o levaram a adiantar a volta dele à França, o que nos obrigaria a ter que deixar a casa no dia 11 de junho. Como todos eram estudantes que só iam ficar mais algumas semanas em Lisboa, então ninguém se dispôs a alugar a casa toda, sobrando para cada um de nós improvisar a moradia.

Duvido que tenha havido um dia pior para sermos jogados no olho da rua. A maior festa de Lisboa acontece dia 12 de junho. É a festa de Santo Antônio.

Festa das Sardinhas

As festas de Lisboa acontecem, na verdade durante todo o mês de junho. São as festas juninas, celebrando os dias dos santos, com barracas montadas em frente aos largos das igrejas e bandeirolas enfeitando as ruas. Quiosques vendendo cerveja surgem em todo canto e a cada esquina há um português assando sardinhas.

O principal dia é 12 de junho, dia de Santo Antônio, padroeiro de Lisboa. Há uma parada extremamente chata que atravessa a avenida da Liberdade, e as estreitas ruas que formam o labirinto que é Alfama são tomadas pelo povo. A festa é realmente divertidíssima. A cidade do Porto tem como dia principal 23 de junho, dia de São João – também estive lá na tarde do dia 23, mas só pegando um vôo para Marrocos.

Festa das Sardinhas
Ruas de Alfama durante a Festa das Sardinhas

Uma vez expulso de casa, reservei um quarto de hostel com Julien (o outro francês desabrigado). Foi realmente uma sorte pois, por conta da festa, a maioria dos hostels já estavam cheios. Se tudo desse errado, ainda tinha esperança de conseguir dormir no sofá (ou no chão) da casa de algum amigo do Erasmus.

A maioria dos meus amigos eram estudantes do Erasmus. Por conta deles que a Festa das Sardinhas me pareceu uma versão tão embriagante de um carnaval. A primeira noite foi alimentada com vinho e sardinhas na confusão absurda das estreitas ruas de Alfama – o que incluiu me perder deles e achá-los de novo algumas vezes. O segundo dia pude acompanhar a enfadonha parada da avenida Liberdade que foi ficando mais divertida conforme eu ia ficando mais bêbado.

Eu não gostava de sardinha antes das festas juninas de Lisboa. Nesse período eu comi tanta que passei a gostar.

O grande divertimento das festas de Lisboa foi mesmo pelas companhias. Desde que cheguei na Europa, estive vivendo com universitários, dividindo repúblicas, indo em festas na casa de estudantes, com pessoas que chegam dizendo que não podem beber muito porque tem prova no dia seguinte (e terminam jogadas ao lado da porta). Conheci pessoas de toda a Europa; Se no começo eu ia para casa de alguém sem conhecer ninguém lá, na terceira vez que se vai a uma dessas festas, já se conhece metade das pessoas. E assim, aos poucos, passei a ser quase toda noite convidado para algum evento do tipo.

Desabrigado

Foram esses amigos que me cederam um teto e um colchão (ou um sofá ou até mesmo um pedaço de chão) durante o mês de junho e metade de julho. O ano letivo estava acabando e todos os estudantes estavam indo embora, voltando a seus países, e eu sabia que cedo ou tarde acharia um bom quarto para morar. Entretanto, como tinha duas viagens de 5 dias cada uma no período, decidi que iria atrás de um lugar para morar só quando voltasse dessas viagens. E assim que eu passei um mês morando de favor.

Fiquei um bom tempo na casa de um divertidíssimo amigo belga que morava bem perto de minha primeira casa. Nick era um programador que trabalhava em um site de putaria em Lisboa, evangelista do Drupal. Ele morava com outros dois espanhóis, uma espanhola, uma alemã e uma portuguesa. No período que fiquei abrigado sob seu teto, me diverti bastante re-assistindo episódios de Lost ou discutindo sobre a complicadíssima política belga.

Depois que Nick foi embora, também passei um bom tempo dormindo no sofá de um tcheco que era o único remanescente do grupo que ainda estava tendo provas – sofrimentos de um estudante de medicina. Também contei com a ajuda de um grego e um outro tcheco, sempre em casas repletas com uma variedade considerável de nacionalidades e uma quantidade mais do que recomendável de placas de trânsito e cones roubados.

Despedidas

Aos poucos, cada um dos meus amigos foi encerrando seu período de intercâmbio e partindo para suas terras natais. O final de junho e o começo de julho foi uma época péssima para quem odeia despedidas. Todo dia era o último dia de alguém. Churrascos de despedidas e últimas idas aos bares do Bairro Alto aconteciam todas as noites e aos poucos comecei a sentir a cidade se esvaziando – as despedidas mesmo iam se tornando eventos cada vez mais discretos.

É uma coisa chata. Nesse período fiz bons amigos que agora se espalham por toda a Europa (e grande parte do Brasil), mas que sei que não voltaremos a ter o contato de antes. Ainda tinha meus amigos do hostel e uma boa parte de pessoas que estavam em Portugal para uma estadia maior – trabalhando e dispostos a ficar por mais tempo. Mas o grande centro ao redor do qual girava todo o meu círculo de amizades era pautado em um universo acadêmico, de festas em repúblicas e jovens malucos que tentavam aproveitar o máximo possível seu breve momento de intercâmbio.

Quando eu finalmente tinha formado um grupo de amigos, eles se foram. E a música sumiu do miradouro da Glória, onde à noite iam os estudantes para beber. Foi ali que, no final de julho, eu me vi mais uma vez sozinho em Lisboa.

Fado...
Fado...