Já estou há mais de seis meses vivendo em Londres. Por vezes me perguntam como é a vida por aqui (mentira, ninguém pergunta nada; Mas eu quero dizer mesmo assim). Fui reportando então, de forma detalhada, como é a rotina na divertida capital inglesa.
Meu dia útil começa por volta das 7h15, quando o despertador de meu telemóvel toca pela primeira vez. Eu o desligo. Ele volta a tocar algumas vezes e eu acabo levantando da cama entre em algum período compreendido entre 7h30 e 9h.
Meu humilde quarto fica no segundo andar (ou terceiro, se você desconsiderar a existência do térreo) de uma agradável residência em Hackney (zona 2), a norte do centro de Londres. É dividido com alguns italianos e espanhóis – eu não era muito próximo deles no começo, mas depois de duas garrafas de vodka, fiquei amigo do pessoal. Todos eles estão em Londres para aprender inglês, mas não falam nem “The book is on the table” – exceção do italiano que ocupa o quarto ao lado do meu, e é crupiê do maior cassino da Inglaterra -, então nos comunicamos com uma espécie de “espanhaliano”.
Meu quarto: Em uma parede, o mapa europeu me ajuda a lembrar aonde estou nas manhãs de ressaca. A nobre flâmula nacional jaz fixa defronte, para lembrar-me daonde eu sou e para assustar os vizinhos e companheiros de casa.
Levanto-me, visto as calças jeans de sempre e faço um breve afago em Amanda, meu macbook modelo 2011 comprado na viagem à América, que repousa sobre a mesa, eternamente ligado. Em cima da mesa ainda há uma mini-máquina-de-chiclete que foi encontrada na rua e uma caneca do Cavern Club que eu ainda não cheguei a tirar da embalagem. Meu quarto ainda conta com um pequeno armário de duas portas, um gaveteiro que nunca vai conseguir ser organizado e um varal. As roupas de cama (e boa parte de minhas roupas também) me foram doadas em tempos de extrema pobreza pelo meu amigo Pedro, quando ele partiu de Londres – senão eu provavelmente ainda estaria dormindo diretamente no colchão, abraçado às minhas pernas e coberto por uma blusa. De forma completamente aleatória, visto a roupa que estiver mais acessível, esteja ela jogada em cima da cadeira ou ainda molhada em cima do varal.
Meu café da manhã consiste de café ou achocolatado solúvel e pão ou croissant adornado com “I can’t believe it’s not butter” ou “puck” – a melhor imitação de requeijão vendida acima do Equador. Tudo é engolido com pressa e a bebida quente queima minha língua (todas as manhãs!), afinal eu já estou atrasado.
Devido à absurda qualidade do transporte público londrino, eu posso escolher entre uma dezena de rotas igualmente maravilhosas que me levam até o trabalho. Hoje eu decido (por nenhum motivo especial) ir de trem, mas é comum eu escolher um ônibus que me deixa numa estação de underground mais avançada e me possibilita pelo menos mais uma meia hora de sono, geralmente no último assento do segundo andar do rubro veículo.
A estação Clapton fica a quinhentos metros de casa. Trens passam a cada quarto de hora – o de hoje atrasou um minuto. Sento-me e começo a ler qualquer coisa no meu kindle. Ao meu lado senta-se uma mulher tomando chá de uma caneca de porcelana. Quinze minutos também é o tempo aproximado até a estação Liverpool Street, no centro de Londres, onde eu troco para um overground da linha Hammersmith ou Metropolitan até a estação Baker Street.
É possível encontrar todo tipo de pessoa no metrô londrino: indianos, japoneses, negros, mulheres de burca… até ingleses! Já encontrei um cara vestido de “Cloud Strife” uma vez, incluindo a espada. Diversos executivos engravatados carregam pastas, daquele tipo usados nos filmes para carregar dinheiro ou uma bomba. Em minha frente está sentada uma adorável garota, de semblante sério, levando em mãos uma tigela de salada de macarrão coberta com papel-filme. Ao seu lado, uma versão velha-engravatada do Al Pacino lê o jornal da manhã. Há uma adorável tradição no transporte londrino de troca de jornais: As pessoas abandonam os jornais nos bancos para que o próximo usuário possa acompanhar as maravilhosas manchetes dos tablóides, de dar inveja nos redatores do meia-hora: “Mãe e filho de 11 anos ficam bêbados juntos” ou “Sujeito que não se parece nada com George Clooney ganha concurso de sósias de George Clooney”.
São sete paradas até Baker Street, que fica a uns 500m do trabalho. Caso eu não tenha tomado um café da manhã decente, compro um capuccino na estação, por £1.20 – o mais barato em um raio de dois quilômetros. Meu escritório fica na Marylebone, num prédio de 1937, completamente modernizado por dentro e sofrendo uma recente limpeza exterior. Todos os dias, eu tenho pelo menos uma enfadonha reunião ou conference call. Fora isso o trabalho é até divertido.
Eu almoço em qualquer horário entre 12h e 16h. Costumo comer basicamente um sanduíche feito em casa mesmo ou comprado como parte de uma refeição de £2.50 do Tesco, que inclui uma bebida e uma fruta.
O horário de saída do trabalho é tão (ou até mais) misterioso quanto meu horário de chegada e varia conforme o montante de trabalho que eu tenho, o clima, meu sono, disposição e planos para a noite vindoura.
Terças e quintas, se não houver nada melhor para fazer e eu estiver disposto, eu posso ir até um salão perto da estação Holborn para fazer aulas e dançar lindy hop com habilidosas senhoras da terceira idade e inglesas descoordenadas. Às segundas também há bailes do tipo, só que são um pouco mais caros. Se o Benfica estiver jogando (ou qualquer outro jogo que me apeteça), vou para um pub para assistir a Champions League. Pode ser que eu vá visitar alguma atração da cidade também.
Se eu for para o conforto de meu lar, faço alguma refeição mais requintada como um arroz com ervilhas ou um miojo (é requintado pra mim). Eu sempre tenho alguma coisa pra fazer: lavar a roupa, tentar arrumar meu quarto, ou passar o resto da noite com a Amanda na internet, desenhando ou fazendo alguma coisa amplamente inútil (escrevendo este texto, por exemplo). Dependendo do dia, eu ainda preciso assistir How I met your mother ou The Office antes de dormir o sono dos justos – isso entre a 1h e as 3h da madrugada, tal qual sempre foi.
Nos finais de semana, eu tento viajar. A diferença é que, ao invés de ir pra Santos, como o paulistano comum, eu tento ir pra Bruxelas, Liverpool ou Paris. Graças à promoções da Ryan Air, por vezes a passagem aérea é mais barata que o pedágio da Imigrantes.
Hoje eu saí um pouco mais tarde do trabalho, e fui direto pra casa. Jantei um omelete de queijo com o resto requentado do arroz que fiz segunda-feira. Fiquei trabalhando num freela para um amigo no Brasil, perdi um tempo no 9gag e são 2:20 quando decido que vou assistir um filme (Saint John of Las Vegas) deitado no conforto de minha cama. Provavelmente vou dormir no meio do filme. Tudo bem; amanhã começo de novo.