Saindo do metrô Sé e descendo a Rangel Pestana encontramos o primeiro indício que estávamos no caminho certo do Bom Prato: um mendigo pedindo um real para o almoço no local. Querendo me enturmar com a clientela local, estendi uma moeda ao rapaz: “Quero ir no Bom Prato também. Posso ir com você?”.
O mendigo prontamente retirou a moeda de meus dedos e disse que precisava ir buscar a patroa dele ali em cima, não sem antes nos indicar o caminho “Fica ali, ó… Esquerda e depois esquerda de novo, na esquina.” e partiu. Sendo dispensado por um mendigo; essa é minha vida.
Eram 11:50 da manhã quando chegamos no salão do Bom Prato. Ainda não havia filas. A casa abre às 11h e o almoço é servido até o término da cota de cada unidade (que varia entre 1200 a 2500 refeições). Desde 2011, as unidades também oferecem café da manhã a R$0,50.
O Governo do Estado subisidia R$3,00 do custo total da refeição, restando ao usuário pagar somente o valor de R$1,00 pelo prato bem servido. Paga-se o valor na entrada, onde recebe-se um cartãozinho que é entregue logo ao lado. Uma pia após a catraca permite que os clientes com um mínimo de asseio lavem as mãos e, posteriormente, seguem para a fila das refeições. Nunca fui preso, mas já comi no bandejão da USP e essa é a comparação mais próxima que eu consigo imaginar para o serviço. Meu prato de porcelana foi inicialmente agredido com uma concha de arroz e uma de feijão simultânea. Seguindo a fila, conchas consideravelmente menores de um bem-temperado frango e berinjela são despejadas por cima. Não há espaço para recusas. Antes que você consiga pensar, a comida é jogada na sua frente. Um pouco de alface picado, uma banana, um copo de plástico de um suco vermelho e um pãozinho meio deformado completam a bandeja.
Arrumamos um lugar no salão onde a movimentação de uma imensa variedade de pessoas de todos os tipos e classes revezavam-se sentando, comendo e saindo. A comida é incrivelmente boa, servida quentinha, melhor que a maioria dos PFs de padarias. A combinação nutritiva é uma das coisas mais saudáveis que eu comi por conta própria no ano.
Um guia com os piores lugares para se comer mal sem gastar muito em São Paulo
Churrasco Grego Largo do Paissandu, 19 – centro
Um churrasco grego com suco
Custo total: R$1,50
Empoleirado na soleira da porta de uma lanchonete, atrás da Igreja dos Homens Pretos, no Largo do Paissandu, e com uma monumental vista para os suicídios de jovens na Galeria do Rock, encontramos este nobre e minúsculo apêndice de toldo azul com sua carne eternamente giratória.
Lá é possível degustar o tradicional churrasco grego, sempre acompanhado com um serviço de entretenimento promovido pelos mendigos locais. O mendigo que nos atendeu alcunhava a si mesmo de “vagabundo do delegado” – sendo “vagabundo” um substantivo. Ele iniciou sua aproximação me jogando um beijo ao vento e cuspiu (algumas vezes literalmente) toda sua sabedoria sobre como as mulheres só causam problemas e eu devia me livrar da minha – o que já demonstra que talvez não seja uma boa idéia levar sua garota para um jantar romântico no local.
Não há opções vegetarianas. Nossa escolha foi o único lanche disponível, na versão com vinagrete – este que fica armazenado à temperatura ambiente, na mesma gaveta de onde o vendedor lhe devolverá o troco. O sanduíche foi meio decepcionante, parecendo muito menor do que devia, mas com uma relação custo-benefício que vale a pena. Os clientes têm à disposição, além dos agüados condimentos básicos (ketchup e mostarda), um balde com um molho de pimenta caseiro, a ser depositado no pão com uma colher de pau compartilhada por todo mundo. Apesar de bem temperado, é recomendável evitá-lo – e me refiro não só a não experimentar o molho, mas também a se manter a uma certa distância dele.
A cortesia da casa fica por conta refil de suco. Pelo menos o responsável não parece se importar com os clientes reabastecendo seus copos na refresqueira. Também não podemos dizer que seja um primor de suco: não passa de uma água com açúcar e corante, mas que provavelmente deve cair muito bem se acompanhada por vodka (leve a sua de casa).
Um adesivo colado no toldo indica a área de fumantes (a 15km dali, indo em qualquer direção). A ausência de guardanapos decentes também é um problema, além do público ligeiramente pessimamente apresentável. A única garota em um raio de dois quilômetros do local foi a que eu levei e que ainda pagou por minha refeição (o que também é uma indicação do porquê que meus relacionamentos nunca duram).
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Rei dos Salgados Rua Dom José de Barros, 144 – centro
Um rissoles e uma coxinha
Custo total: R$1,00
Se o centro de São Paulo fosse um ser vivo, este nobre lugar estaria localizado no que seria o seu rim.
Nesta casinha de aproximadamente 15m², o que imediatamente nos chama a atenção são duas faixas anunciando salgados a R$0,50 e sua inusitada decoração com azulejos pintados de laranja, que por algum motivo me fez lembrar um Crocs.
Do lado oposto à porta localiza-se o espaço gourmet, que na verdade é apenas uma bancada de vidro onde dezenas de salgados espremem-se e amontoam-se ali de forma desordenada e aleatória como minhocas em um minhocário (a comparação pode parecer meio nojenta, mas as minhocas não se importam).
Pedi um rissoles (R$0,50) e uma coxinha (R$0,50). Ambos devem ter sido feitos naquela semana mesmo e reaquecidos todas as manhãs, aonde ficam no vidro lentamente resfriando-se, o que dá um sabor todo especial às iguarias. Nas laterais do estabelecimento, um balcãozinho de aproximadamente 20cm de largura permite que os clientes comam por ali mesmo, em pé. Numa das paredes, um espelho permite que eles vejam a si mesmos comendo e dessa forma repensem completamente a própria vida.
A consistência do ketchup era o que podíamos chamar de surpreendente. E o mesmo adjetivo pode ser dado à textura do salgado. O público é do mais variado: enquanto camelôs esbravejavam impropérios na rua, uma colombiana se confundia toda com a grande variedade oferecida. Uma criança esperneava por um pastel (R$1,00), que era da metade do tamanho do pastel de R$2,50 ali perto.
Corajosamente, engoli os dois salgados a seco, o que foi um problema porque a massa cria uma consistência autocolante. Provavelmente, cinco ou seis salgados são o suficiente para colar completamente sua boca e entupir suas vias respiratórias.
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Pastelaria Imperial Avenida Prestes Maia, 72 – Anhangabaú
Um pastel e um caldo de cana
Custo total: R$4,00
Extremamente bem localizado, no coração do Vale Anhangabaú – saindo do metrô São Bento, no terceiro morador de rua à esquerda -, se localiza esta nobre casa: um amplo salão bem iluminado, repleto de pequenas mesas de madeira rodeadas por cadeiras de plástico. O chão é sujo como um deputado federal – talvez com um pouco menos de luz, a porquice poderia passar levemente mais despercebida. As paredes são decoradas com duas grandes imagens de temática nipônica, o que ajuda a reforçar aquele esteriótipo do japonês pasteleiro.
Uma chamativa faixa anuncia ao vale a grande especialidade da casa: Pastel de feira a R$2,50. O preço é o mesmo há pelo menos oito meses, o que deveria descaracterizar o anúncio de “promoção” que a faixa ainda carrega. Dentro, uma placa ameaçadora destaca o fato que é proibido consumir ali alimentos trazidos de fora. O banheiro para não-clientes custa R$1,00 – vinte e cinco centavos mais barato do que comprar um salgado e virar cliente.
Não perca tempo maravilhando-se com o carrossel de sabores que a casa oferece. Vá até o balcão e veja quais bandejas ainda restam. Talvez pela popularidade da casa ou por preguiça do pasteleiro, o cardápio nunca se encontra 100% completo.
Uma vez escolhida a iguaria a ser degustada, paga-se primeiro no caixa, demonstrando uma inteligentíssima falta de confiança no cliente. No fundo do estabelecimento, um espaço gourmet self-service apresenta uma ampla variedade de salgados ao preço de R$1,25 cada um.
Optei por um pastel de carne com queijo (R$2,50) e 300ml de caldo de cana (R$1,50). Aceita-se cartões de crédito.
O pastel, frito na hora (uma vantagem em relação às outras casas, acredite!) tem um sabor bem justo. O recheio tinha uma porção honesta de queijo, porém já vi refeições vegetarianas que tinham mais carne. Ele fica ainda melhor se você não colocar os condimentos da casa: o ketchup é doce e a mostarda azeda. Galões de ketchup e mostarda repousavam ameaçadores em cima do balcão (são da marca Lanchero, caso alguém se interesse).
O caldo de cana peca na falta de personalidade, mas ganha na personalização. É possível definir quantas pedras de gelo você quer e quanto de suco de limão deve ser adicionado ao seu drinque. O meu copo veio com um pequeno inseto alado flutuando no líquido verde, o que só evidencia a pureza da cana utilizada. Os canudos são todos embalados individualmente, num inexplicável arroubo de higiene.
Com um público eclético (é possível ver pedreiros, mendigos, engravatados e famílias), preços atrativos e uma qualidade próxima do mediano, é uma boa pedida para quem tem mais fome do que dinheiro.
Churrasco Grego: Largo do Paissandu, 19 Rei do Salgado: Rua Dom José de Barros, 144 Pastelaria Imperial: Avenida Prestes Maia, 72 Estomazil: Em qualquer farmácia
Na próxima edição:
Yakissoba, Bom Prato e mais.
Se você tem alguma sugestão de lugar ruim e barato, deixe aí nos comentários que ela será levada em conta.
De todos as cidades que eu já visitei, a que eu acho mais parecida com São Paulo é Istanbul. Gigantesca, com uma população de 14 milhões de pessoas, um trânsito caótico, malha metroviária deficitária, um transporte público à base de carros e ônibus e uma população extremamente receptiva e jovem.
No final de maio, um pequeno grupo de pessoas organizou um protesto em Gezi Park, uma praça na região de Taksim, no centro da cidade. O protesto era pra preservação das árvores do parque, que ia passar por uma reformulação para a construção de um shopping center. Os manifestantes agiram de forma extremamente pacífica, simplesmente ocupando a praça e ficando em frente às máquinas que estavam lá para retirar as árvores centenárias. Não havia um veículo de imprensa sequer para acompanhar a manifestação.
A polícia agiu de forma violenta, usando canhões de água e spray de pimenta.
No dia seguinte, houve um novo protesto, dessa vez com mais pessoas. A polícia novamente reagiu violentamente.
E no outro dia o protesto foi maior ainda. As linhas de metrô que levavam a Taksim foram fechadas para dificultar a chegada dos manifestantes, mas a população de Istanbul se uniu, foram todos a pé e uma multidão se reuniu para ser novamente brutalmente contida pela polícia, que abusou das bombas de gás lacrimogênio, efeito moral e até ateou fogo na barraca dos manifestantes.
Depois disso, o protesto só cresceu e se espalhou. Agora ele não se limitava só à preservação da praça. Ele se transformou em uma gigantesca revolta contra o governo, extremamente conservador e historicamente religioso. Durante todo esse tempo, a imprensa turca não cobriu os protestos – o povo combinava os eventos e passavam as informações entre si usando simplesmente a internet e redes sociais. Durante um dos protestos, a CNN estava exibindo um documentário sobre pinguins, transformando o animal num dos símbolos da censura turca.
Os acontecimentos de Taksim foram simplesmente a fagulha que o povo precisava para se unir contra o governo.
Sempre achei Istanbul e São Paulo muito parecidos mesmo.
Alguma iniciativa brotada sabe-se lá onde e difundida pelas redes sociais nas últimas semanas tenta espalhar na cabeça da população a suposta boa idéia que é ter o metrô de São Paulo funcionando 24 horas por dia.
O sistema de transporte público na cidade é fraco, deficiente, caro, lento e inefetivo. A malha metroviária é pequena, apesar do serviço ser muito bom. Ninguém discute que, para o sistema se tornar medíocre, muita coisa precisa melhorar.
Mas metrôs abertos 24 horas por dia não são uma solução e nem uma alternativa viável. É uma idéia utópica e impossível na atual situação.
Durante um projeto, já tive que passar boa parte de uma madrugada na estação Santa Cecília, linha vermelha. O trabalho não termina quando as portas da estação se fecham – muito pelo contrário. Uma legião de funcionários invade as estações para o trabalho de limpeza e manutenção das linhas. Um trem especial, chamado “esmerilhador” transita pelas linhas em baixa velocidade com a intenção de corrigir e prevenir deformidades na via. É um serviço de manutenção lento e necessário. (link: http://www.metro.sp.gov.br/tecnologia/manutencao/logistica.aspx)
Há um segundo aspecto: é REALMENTE necessário? Qual o índice de uso da linha verde numa terça-feira às 3h da manhã? Esse serviço extra geraria um custo que teria que ser repassado à população de alguma forma.
São Paulo antigamente era chamada de “A terra da garoa”. Hoje pode-se dizer que muito da cidade evoluiu. A garoa, por exemplo, já virou chuva faz tempo e já está se transformando em tempestade.
O clima na cidade anda tão feio que até contrataram o Amaral para anunciar a previsão do tempo. Aliás, é a coisa mais previsível que tem no jornal, depois dos resultados de jogos do botafogo. Eles estão até reprisando as gravações.
A desculpa dos alcóolatras já virou “só bebo quando chove”…
A chuva em São Paulo têm gerado vários problemas. Não é só o trânsito e as enchentes. O parque da Mônica, por exemplo, anunciou que a partir do dia 16 está deixando o Shopping Eldorado. O problema é o Cascão que não aguenta mais viver na cidade. Ainda no tema cultural, vale a pena assistir “Cantando na chuva”… pelo que eu ouvi dizer, é a história de um cantor tentando levar uma vida em São Paulo.
Segundo o José Simão, a situação está tão caótica que o único serviço de entregas que funciona é o do Submarino.
Temos que ver, porém os lados positivos da chuva…
Outro dia estava lendo no jornal uma matéria da Larinha constatando uma queda no número de casos de dengue na cidade. O caso é que não temos mais água parada por aí. Graças à chuva, a água se renova todos os dias!
A chuva está sendo boa também para as plantas… A vitória régia que está crescendo na minha rua está sempre com água!
Outra coisa que popularizou-se na cidade são os bolinhos de chuva, que agora tem vários sabores. É só ir no mercado, comprar um bolo qualquer e sair na rua. Imediatamente ele vira um bolinho de chuva, tão típica guloseima paulistana.
O bom também da chuva é que ela virou uma nova medida de tempo. O pessoal aqui do trabalho, por exemplo, já combina de se encontrar no bar depois da chuva.
E vamos continuando na chuva, enquanto essas águas de março não chegam – se bem que elas já devem ter chovido faz tempo…