Tempos Interessantes

De todos as cidades que eu já visitei, a que eu acho mais parecida com São Paulo é Istanbul. Gigantesca, com uma população de 14 milhões de pessoas, um trânsito caótico, malha metroviária deficitária, um transporte público à base de carros e ônibus e uma população extremamente receptiva e jovem.

No final de maio, um pequeno grupo de pessoas organizou um protesto em Gezi Park, uma praça na região de Taksim, no centro da cidade. O protesto era pra preservação das árvores do parque, que ia passar por uma reformulação para a construção de um shopping center. Os manifestantes agiram de forma extremamente pacífica, simplesmente ocupando a praça e ficando em frente às máquinas que estavam lá para retirar as árvores centenárias. Não havia um veículo de imprensa sequer para acompanhar a manifestação.

A polícia agiu de forma violenta, usando canhões de água e spray de pimenta.

No dia seguinte, houve um novo protesto, dessa vez com mais pessoas. A polícia novamente reagiu violentamente.

E no outro dia o protesto foi maior ainda. As linhas de metrô que levavam a Taksim foram fechadas para dificultar a chegada dos manifestantes, mas a população de Istanbul se uniu, foram todos a pé e uma multidão se reuniu para ser novamente brutalmente contida pela polícia, que abusou das bombas de gás lacrimogênio, efeito moral e até ateou fogo na barraca dos manifestantes.

Depois disso, o protesto só cresceu e se espalhou. Agora ele não se limitava só à preservação da praça. Ele se transformou em uma gigantesca revolta contra o governo, extremamente conservador e historicamente religioso. Durante todo esse tempo, a imprensa turca não cobriu os protestos – o povo combinava os eventos e passavam as informações entre si usando simplesmente a internet e redes sociais. Durante um dos protestos, a CNN estava exibindo um documentário sobre pinguins, transformando o animal num dos símbolos da censura turca.

Os acontecimentos de Taksim foram simplesmente a fagulha que o povo precisava para se unir contra o governo.

Sempre achei Istanbul e São Paulo muito parecidos mesmo.

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Estive nas ruas durante as manifestações do dia 17. Saí do largo da batata no final da tarde, seguindo junto com uma multidão de muito mais do que 65000 pessoas. Ninguém sabia para onde andávamos, simplesmente seguíamos o fluxo.

O maior problema das manifestações, foi também a maior qualidade: Não havia um objetivo determinado. Se protestava contra qualquer coisa. Havia muita gente protestando contra o aumento das passagens, contra a truculência da polícia ou simplesmente pelo direito de protestar (esse eu apoiava). Gritos para que manifestantes partidários abaixassem suas bandeiras. Havia protestos contra o funk alto nos ônibus, contra a rede Globo, contra o Datena, contra o Jabor e contra a criminalização do vinagre. Protestos contra a copa do mundo, contra a escalação do Hulk, contra a repressão na Turquia e contra o fim do Google Reader. Os cantos que começaram como “Vem pra rua contra o aumento” aos poucos se transformaram em “Vem pra rua contra o governo”.

“O povo/ unido/ é gente pra caralho” e “Haddad/ é o seguinte/ nem sua mãe cobra três e vinte”, entre outros gritos, eram entoados pelos manifestantes mais espirituosos e “que conhecidência (sic)/ não tem polícia, não tem violência” funcionava também como uma crítica à educação.

Datena, faz mais uma pesquisa!
Datena, faz mais uma pesquisa! (by Vanessa Barbara)

A massa de pessoas desceu por toda a Faria Lima até a Juscelino Kubitschek (3.2km), onde o grupo se dividiu. A maioria da multidão foi para o lado direito, em sentido do Palácio dos Bandeirantes enquanto outra parte virou para o lado esquerdo, para a Paulista. Muitas pessoas aguardavam a indefinição no cruzamento das duas avenidas, sem saber que caminho tomar.

Fui para a esquerda, em direção à Paulista, simplesmente porque era mais fácil voltar para casa depois. Mas a dúvida que atingiu a todos naquele ponto marca muito o sentido do protesto: não sabemos o que queremos, que caminho devemos tomar, aonde queremos chegar.

A minoria que foi para a Paulista ainda dominou completamente a rua, de forma como eu nunca tinha visto. Nós temos quórum para andar por mais de uma direção se soubermos para onde ir.

Falta ainda definir as metas, mas o que importa é que estamos andando. Em plena Copa das Confederações, o assunto mais discutido é a política (Felipão agradece). As pessoas discutem e conversam com desconhecidos nos vagões de metrô, ônibus, nas ruas. As redes sociais hoje debatem o que é o PEC37 e se ele vai ser realmente ruim (eu ainda não tenho opinião formada). Mesmo se você for contra os protestos, tem que concordar que está havendo uma discussão e isso não tem como ser ruim.

The jiripoca is going to pewpew
The jiripoca is going to pewpew. (by Não Salvo)

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Em um de seus livros, Terry Pratchett tem uma frase extremamente sábia que diz:

Não há paz em tempos interessantes.

Eu já refleti um tanto sobre esse quote. Vivemos tempos interessantes.