Cinco idéias para o transporte público em São Paulo

Alguma iniciativa brotada sabe-se lá onde e difundida pelas redes sociais nas últimas semanas tenta espalhar na cabeça da população a suposta boa idéia que é ter o metrô de São Paulo funcionando 24 horas por dia.

O sistema de transporte público na cidade é fraco, deficiente, caro, lento e inefetivo. A malha metroviária é pequena, apesar do serviço ser muito bom. Ninguém discute que, para o sistema se tornar medíocre, muita coisa precisa melhorar.

Mas metrôs abertos 24 horas por dia não são uma solução e nem uma alternativa viável. É uma idéia utópica e impossível na atual situação.

Durante um projeto, já tive que passar boa parte de uma madrugada na estação Santa Cecília, linha vermelha. O trabalho não termina quando as portas da estação se fecham – muito pelo contrário. Uma legião de funcionários invade as estações para o trabalho de limpeza e manutenção das linhas. Um trem especial, chamado “esmerilhador” transita pelas linhas em baixa velocidade com a intenção de corrigir e prevenir deformidades na via. É um serviço de manutenção lento e necessário. (link: http://www.metro.sp.gov.br/tecnologia/manutencao/logistica.aspx)

Trem esmerilhador
Trem esmerilhador

Há um segundo aspecto: é REALMENTE necessário? Qual o índice de uso da linha verde numa terça-feira às 3h da manhã? Esse serviço extra geraria um custo que teria que ser repassado à população de alguma forma.

Em nenhum lugar do mundo aonde estive, o metrô funciona a noite toda. A excelente malha de transporte público de Londres atende a cidade 24 horas fazendo uso de linhas noturnas especiais, que vão para absolutamente todo lugar

O metrô de New York é uma exceção. Ele funciona a noite toda. Como?

A manutenção pode ser feita durante o dia, pois há linhas redundantes. Numa cidade com quase uma estação a cada esquina, há caminhos alternativos quando um trecho precisa ser fechado. Assim, eles fecham trechos inteiros no meio do dia, pois sempre há uma outra rota para o mesmo lugar. Para ter uma idéia de como funciona, acesse o sistema de metrôs de NY em http://travel.mtanyct.info/serviceadvisory/default.aspx e faça uma busca simples.

Manutenção do metrô de NYC: com rotas alternativas disponíveis.
Manutenção do metrô de NYC: com rotas alternativas disponíveis.

É óbvio que isso não se reflete em São Paulo, onde a simples interrupção parcial de uma única estação pode gerar um caos no resto da cidade – não há rotas alternativas.

Reclamar é muito fácil. Qualquer esquerdista faz. Procurar e discutir soluções é um outro nível.

De acordo com tudo que eu já conheci de transporte público ao redor do mundo, venho então com cinco idéias que acredito que poderiam funcionar em São Paulo. Algo precisa ser feito, então todas as idéias têm as seguintes características:

1) Barata: A construção de um gigantesco monotrilho ou expansão rápida do metrô podem ser eficiente, mas o custo e tempo têm que ser levados em conta

2) Viável: Bem que eu queria, mas não há espaço pra encher São Paulo de ciclovias. Cada vez é mais difícil cortar faixas de carros para a implantação de corredores de ônibus também. (os ciclistas em São Paulo têm outro problema que é a falta de educação: é raro ver um deles dando fazendo sinal para virar ou respeitando as regras de trânsito – que também devem valer para eles)

3) Imediata: Também não dá tempo de esperar a ascensão dos ônibus voadores. As idéias todas têm curto prazo de implantação.

Apesar de ser um entusiasta do metrô e ansiar por sua expansão, é estúpido negar que as principais veias do sistema circulatório paulista são os ônibus. A malha metroviária cresce lentamente – e é de complicada implementação numa cidade já tão bem estabelecida como a nossa. Por isso as idéias são basicamente voltadas aos gloriosos busões. Alguns pontos também são altamente polêmicos, mas a discussão é sempre saudável.

Segue:

Linhas noturnas

Londres pra mim é o melhor sistema de transporte público que eu já vi. O que torna ele infinitamente melhor do que o segundo colocado (talvez Madrid, talvez Paris) é a excelente malha de ônibus noturno. Boa parte das linhas funcionam 24 horas (em escala evidentemente reduzida) e algumas linhas existem só de noite. Mapas de transporte noturno estão em todo lugar e saem dos principais pontos turísticos e boêmios da cidade – como Camden ou Picadilly. O sistema de ônibus noturno é tão eficiente que o metrô não faz tanta falta. São Paulo, principalmente agora com a implantação da lei seca – carece de linhas noturnas que levem a todo lugar. Não adianta nada uma linha me levar da Vila Madalena até a Lapa e eu não conseguir ir para os bairros suburbanos depois.

Cartão Mensal

Navigo (Paris), Oyster (Londres), Lisboa Viva (Lisboa)… na grande maioria das capitais européias, uma versão do nosso Bilhete Único permite o pagamento e uso de uma cota mensal. Paga-se uma quantia por mês (30€ em Lisboa, 112£ em Londres, por exemplo) e tem-se acesso livre e infinito a qualquer tipo de transporte público, podendo trocar de ônibus para trens e metrôs sem custos adicionais (dentro da região suportada).

É uma solução simples e ótima que deveria ser implementada por aqui o mais rápido possível. Sou a favor do preço da passagem individual de ônibus subir para – digamos – uns R$7,00 e um Bilhete Único válido livremente em todos os transportes custar R$170,00 por mês. Assim, o usuário esporádico do transporte público pagaria mais caro, custeando e barateando o valor daquele que usa constantemente.

Melhoras dos pontos

Nossos pontos de ônibus são uma piada. Muitos consistem unicamente de um poste verde, outros nem isso. Para quem faz todos os dias o mesmo trajeto, já é um hábito tão forte que nem percebemos a mediocridade destes. Mas qualquer simples mudança na rota é uma caça ao tesouro onde é necessário fazer amizade com lojistas e donos de bancas de jornais para saber “aonde passa algum pro terminal Casa Verde”?

O mínimo que deve ser feito é colocar em todos os pontos a numeração dos ônibus que param ali. O ideal é colocar um mapa com a direção dos referidos busões, tal qual em Londres.

Mapas detalhados das rotas de ônibus em Londres. Você aprende a amar.
Mapas detalhados das rotas de ônibus em Londres. Você aprende a amar.

Isso provavelmente eliminaria também aquela ação do cidadão comum de fazer sinal para o ônibus parar só para perguntar se ele passa na Rebouças.

Fora com os cobradores

Agora começa a ficar polêmico mesmo.

Depois da popularização do bilhete único, qual o trabalho de um cobrador? Não seria possível eliminar esse funcionário extra para cada ônibus? Aí coloca-se a validadora na entrada do ônibus, e qualquer pagamento eventual de passagem é feito direto com o motorista.

Talvez isso geraria algum problema como um maior tempo de parada (para que cada um valide seu bilhete), mas é um pequeno agravo de um problema que já acontece atualmente.

Os cobradores não precisariam necessariamente serem todos dispensados, uma boa quantidade podendo ser reaproveitados como fiscais, um novo cargo a surgir com a próxima idéia:

Fora com as catracas

Sem cobrador, a catraca perde a função. Retirando-se dos ônibus estes dois elementos atualmente inúteis, gera-se um maior espaço nos veículos onde mais pessoas podem ir mais confortáveis.

O usuário validaria seu cartão por conta própria (já somos grandinhos, não precisamos de alguém olhando isso por nós). Fiscais – taí o trabalho novo para alguns antigos cobradores – passariam aleatoriamente pelos ônibus (e metrôs também, porque não?) confirmando se todo usuário tem o seu cartão validado e, naqueles que não tiverem, aplicando uma devida multa, que nem precisa ser realmente muito alta – em Munich, a multa é de 40€ e em Londres era algo em torno de 25£. Se a pessoa já vai pagar o cartão mensalmente, o que custaria validar?

Sim, vivemos numa terra de malandros e certamente alguma porcentagem não validaria e nem pagaria o transporte, mas essa porcentagem já existe, passando por baixo de catracas e pedindo “pode entrar por trás, motorista?” nas lotações do Jardim Guarani. As multas se manteriam baixas para serem efetivamente pagas quando preciso e, com o tempo e um trabalho de fiscalização decente, a própria população começaria a perceber que pagar o valor mensal sai mais barato.

 

Obviamente, mesmo se todas essas idéias fossem implantadas, não resolveria talvez nem metade dos problemas. Mas um metrô 24 horas também não. O importante mesmo é gerar alguma discussão e saber que algo tem que ser feito. E rápido.

Insetos flagrados no metrô.
Aracnídeos flagrados no metrô.