Texto originalmente publicado no Medium, em novembro de 2018 na ocasião do primeiro fechamento do bar.
Republicado agora, já que a casa reabriu e fechou de novo.
Encerrou as atividades em outubro de 2018 novembro de 2019 o The Clock Rock Bar.
Das 465 amizades atualmente ativas no meu Facebook, 33% podem ser agrupados na categoria “The Clock”. São 152 vidas que se interligam a mim por conta de um bar em Perdizes. Algumas dessas pessoas são estimadíssimos amigos, que eu amo de todo meu coração e confio cegamente. Alguns são pessoas que eu considero meus melhores amigos e que mesmo com a distância das idas e vindas de minha vida, sempre me senti intimamente próximo. A imensa maioria desses são amigos que eu não tenho dúvida que manterei para sempre.
Era uma quinta-feira, dia 20 de outubro de 2011. Por volta das 20:30, sentei-me num dos bancos do aeroporto de Heathrow, e comecei a chorar. Eu nunca choro. Nem assistindo a The Green Mile, nem Titanic nem em qualquer filme romântico meloso em que o cachorro morre no final. Só me lembro de ter derramado lágrimas em Forrest Gump e Toy Story 3, e esse fato talvez ilustre melhor a terrível e desesperadora situação que eu me encontrava naquela noite.
Carregava comigo, além da roupa do corpo, uma mochila com duas bermudas, uma dezena de camisas e cuecas, uma camisa social, duas camisas de manga comprida e uma blusa velha. Devido a uma seqüência peculiar de eventos, minha mala que continha todas as roupas de frio, blusas, cachecóis e meias de lã – que seriam suficientes para suportar o gélido vindouro inverno europeu – estava em Paris, inacessível para mim pelos próximos dois meses ainda.
Naquele momento, Londres ainda era uma completa desconhecida; uma incógnita tentadora. E lá estava eu: sem emprego, sem dinheiro, sem roupas apropriadas para o clima, sem casa, sem amigos – exceto por dois (na época) conhecidos que viriam a salvar minha vida algumas vezes depois – e sem ter aonde dormir aquela noite.
Pedro
Eu ainda estava sentado ali, perdido, sem saber o que fazer, quando Pedro me ligou. Conheci Pedro oito meses antes, na parte marroquina do deserto do Sahara. Paulista, são-paulino, passou um tempo estudando em Madrid e já estava há algum tempo morando, trabalhando e estudando em Londres. Já tinha sido garçom de uma churrascaria típica brasileira e barman de um pub. Naquela mesma quinta-feira ele estava sendo despejado do quarto onde morava e também não tinha aonde dormir aquela noite. Ele providenciou, então, duas reservas de última hora em um hostel relativamente barato (pelos padrões de Londres) e relativamente mequetrefe (pelos padrões de hostel); perto de Russel Square. Pelo menos por aquela noite, era lá que eu ia ficar.
Algumas horas depois, na sala de convivência do hostel, enquanto tomávamos uma New Castle, Pedro me passava todos os contatos que ele tinha com landlords (o equivalente inglês ao proprietário do imóvel) e empresas que providenciam quartos para estudantes e estrangeiros. Há até grupos especializados em residências para brasileiros. No dia seguinte, de manhã, telefonei para quantos consegui, mas o período era de baixa oferta. Muitas pessoas chegam e saem no início e final de anos letivos e, por ser meio de semestre, era difícil achar algum lugar que fosse acessível e imediato.
Na sexta-feira mesmo fui fazer a primeira visita a um quarto que estava disponível na região de Hackney, a nordeste de Londres. Seria aquele quarto que eu adotaria como lar pelo próximo ano e já naquela noite dormiria por lá pela primeira vez.
O primeiro estágio que eu consegui foi uma daquelas péssimas vagas do CIEE. Era uma vaga pra extrair relatórios da equipe telemarketing da Caixa Econômica Federal, no estação Brás. Lembro que fui fazer a entrevista no dia do meu aniversário de 18 anos. Me fizeram umas perguntas, me mandaram pra fazer uma provinha um tanto quanto desafiadora (sem ironias) em Excel e depois mais algumas perguntas baseadas no resultado da prova.
Logo que cheguei percebi que aquele não era emprego pra mim. Detesto bancos e aquele ambiente cinza e chato nunca me agradou (e ainda não agrada). Porém eu fui contratado após o seguinte diálogo com a entrevistadora:
– Você quer trabalhar aqui?
– Não.
– E que dia você pode começar?
Fico imaginando se não querer trabalhar no lugar era pré-requisito pra trabalhar por lá… ou se ela sequer chegou a ouvir minha resposta.
***
Não fiquei nem um mês nesse estágio. Na semana que eu entrei, eles trocaram todo o time de telemarketing por conta de fim de contrato. Como é empresa do governo, eles tinham que fazer uma licitação pra definir a próxima empresa. Como são funcionários públicos, a licitação demorou mais de um mês, então eu não cheguei a trabalhar de verdade.
Logo na primeira semana comecei a fazer testes, chegando 15 minutos atrasado, e depois, saindo 10 minutos mais cedo. E fui evoluindo até chegar uma hora atrasado e sair uma hora mais cedo. Tenho a impressão que, quando eu saí de lá, ninguém realmente percebeu que eu tinha chegado a trabalhar por lá.