Meu guarda-chuva

As características londrinas mais marcantes talvez sejam: a alimentação baseada em tubérculos com peixe, a pontualidade britânica, o ministério de silly walks e a constante chuva.

É quase desapontador, depois de morar um bom tempo em Londres, perceber que kebabs são mais populares que o Fish’n Chips (apesar de ser popular o feijão no café da manhã); os trens perto de casa quase sempre atrasam uns dois minutos; não consegui encontrar tal ministério até o presente momento (apesar de ver várias pessoas fazendo silly walks aleatórios nas ruas) e descobrir que o sol também costuma dar as caras por aqui.

Londres é, na verdade, a cidade mais seca do Reino Unido, com uma média de apenas 583 milímetros de chuva por ano. Em São Paulo, por exemplo, chove cerca de 1380mm/ano. A diferença é que, ao invés de uma torrencial tormenta alagadora de avenidas, a capital inglesa é constantemente atingida por chatíssimas garoas leves. E assim, apesar dos dias lindos que costumam aparecer, o tempo nublado prevalece, tornando inexplicável a presença de vários relógios de sol históricos.

Tal como São Paulo, é prudente sair com um guarda-chuva: o clima é imprevisível até para Rosana Jatobá. Uma garoa diária é sempre esperada, para a desgraça dos não-precavidos e alegria dos vendedores de rua. Pra enriquecer e movimentar ainda mais a indústria, a precipitação pluvial inglesa costuma vir acompanhada de um vento horizontal ideal para uma caravela, que arrasta folhas e jornais, destrói guarda-chuvas e levantaria o vestido das garotas, se elas já não usassem aquelas mini-saias justas que ficam coladas ao corpo e são tão curtas que não precisam de ventania para mostrarem as suas bundas (ou a ausência delas).

Esses mini-tufões aquosos já foram os responsáveis pela aniquilação de vários guarda-chuvas meus. Em certo momento eu percebi que talvez não fosse tão inteligente eu continuar comprando essa porcaria de guarda-chuva, que custa entre três e cinco libras, cuja estrutura metálica se rompe em 40 pedacinhos ao enfrentar a primeira chuva (ou se você abri-lo de forma muito abrupta). Depois do segundo guarda-chuva estragado em menos de uma semana, eu decidi que era um estúpido por continuar comprando esse lixo barato: era hora de enfrentar o clima com uma arma decente.

James Smith & Sons
James Smith & Sons

Fui então na James Smith & Sons, a mais notória loja de guarda-chuvas de Londres. Inaugurada em 1857, o lugar é um paraíso para os entusiastas pluviais. É fácil encontrar guarda-chuvas de até 700£, com cabos lindamente esculpidos em vários formatos e desenhos e em dezenas de materiais, como marfim, madeira, fibra de carbono, vibranium ou adamantium.

Pensamentos da Angel Station

Há uma estranha tradição londrina que faz os ônibus mudarem o ponto final deles no meio do caminho. Costuma acontecer com mais freqüência do que devia e você é simplesmente abandonado na metade do trajeto. Por sorte, a malha de transporte público londrina é invejável, então, quando numa terça-feira eu fui abandonado na Angel Station (a caminho de Barbican), foi fácil adaptar minha rota.

Quadros de avisos nas estações estão presentes para mostrar informações sobre atrasos, problemas de funcionamento nas linhas ou fechamento temporário de estações. Várias manutenções estão sendo feitas preparando a cidade para as Olimpíadas, então é meio comum trechos do underground serem fechados em alguns dias.

O quadro de avisos na Angel Station me chamou atenção aquele dia. Ao invés das informações ao usuário, ele continha uma piadinha, daquelas dignas de twitter. “If heat makes things expand, then I’m not FAT… I’m just really HOT!“, dizia.

Diariamente os funcionários da estação, todo fanfarrões, atualizam o quadro com uma gag, um trocadilho, um pensamento novo… Citando frases de Albert Einstein a Homer Simpson (tenho minhas dúvidas de quem seria mais genial), as mensagens entretém os sisudos passageiros londrinos. Às vezes é mais útil do que reportar pequenos atrasos.

customer information
AVISO: Metrô de Londres informa!

Um blog com as frases diárias entrou em funcionamento ano passado: http://thoughtsofangel.com/. Alguns exemplos de mensagens que já foram publicadas no quadro:

  • Don’t go to bed angry. . .  Stay up & plot your revenge
  • Childhood is like being drunk. Everyone remembers, except you!
  • Why does the government try to stop us drinking and smoking. But then moan that we are living too long???!!!
  • My wife and I were happy for 20 years… Then we met.
  • If you feel like doing some work. Sit down and wait… the feeling soon goes away.
  • I still miss my ex… But my aim is improving.
  • “I feel sorry for people that don’t drink… Because when they wake up, that’s the best they’re going to feel all day.” (Frank Sinatra)
  • When I was born I was so surprised… I didn’t talk for a year and a half.
  • There is a fine line between fishing and just standing on the shore like an idiot.
  • When your ex says you’ll never find anyone like me, reply that’s the point!
  • A bus station is where a bus stops. A train station is where a train stops. I have a work station…
  • The trouble with being punctual  it’s that nobody is there to appreciate it.
  • Is it true that cannibals don’t eat clowns because they taste funny?

(Não traduzi pra não perder alguns trocadilhos ótimos)

A estação de overground Shoreditch também usa seu quadro de avisos para colocar fanfarronices. O tumblr http://boardscribe.tumblr.com/ tem algumas pérolas da estação, apesar de estar terrivelmente desatualizado.

Rebecca Black has a new song
Nem sempre as mensagens são positivas.

Gostei da iniciativa. Talvez funcionasse por alguns dias no Brasil, até algum usuário se sentir ofendido e processar a estação.

Rotina Londrina

Já estou há mais de seis meses vivendo em Londres. Por vezes me perguntam como é a vida por aqui (mentira, ninguém pergunta nada; Mas eu quero dizer mesmo assim). Fui reportando então, de forma detalhada, como é a rotina na divertida capital inglesa.

Meu dia útil começa por volta das 7h15, quando o despertador de meu telemóvel toca pela primeira vez. Eu o desligo. Ele volta a tocar algumas vezes e eu acabo levantando da cama entre em algum período compreendido entre 7h30 e 9h.

Meu humilde quarto fica no segundo andar (ou terceiro, se você desconsiderar a existência do térreo) de uma agradável residência em Hackney (zona 2), a norte do centro de Londres. É dividido com alguns italianos e espanhóis – eu não era muito próximo deles no começo, mas depois de duas garrafas de vodka, fiquei amigo do pessoal. Todos eles estão em Londres para aprender inglês, mas não falam nem “The book is on the table” – exceção do italiano que ocupa o quarto ao lado do meu, e é crupiê do maior cassino da Inglaterra -, então nos comunicamos com uma espécie de “espanhaliano”.

Meu quarto em Londres
The mess is on the bed

Meu quarto: Em uma parede, o mapa europeu me ajuda a lembrar aonde estou nas manhãs de ressaca. A nobre flâmula nacional jaz fixa defronte, para lembrar-me daonde eu sou e para assustar os vizinhos e companheiros de casa.

Primeiros dias em Londres

Parlamento
O Big Ben está começando a entortar porque o parlamento é, na verdade, feito de cortiça...

Foram seis divertidos meses que eu passei em Portugal. Quando eu parti da península Ibérica, no começo de setembro, com a idéia de fazer um mochilão pela Europa com amigos, eu já não tinha pretensão nenhuma de voltar. Assim, eu adquiri um problema: eu ia terminar a viagem em algum lugar aleatório e terrivelmente longe de onde ela começou. E, sendo uma viagem com gente jovem, forte e maluca, não fazia sentido carregar mais pertences do que aquilo que coubesse em meu mochilão de viagem. Então, coloquei em minha outra mala todos os pertences que eu achei que não precisaria (calças de neve, grossas blusas de frio, uma tablet de desenho, tomadas extras para o falecido macbook, alguns livros que eu ainda não li e quase todas as roupas sociais que eu tinha, exceto por uma camisa que deixei na mochila para se surgisse uma oportunidade de emprego no meio da viagem), com os planos de despachar essa mala para algum lugar que fosse mais próximo do meu futuro desconhecido destino.

Entre as alternativas que eu tinha, envolviam uma tia em Paris, um amigo na Bélgica e um amigo na República Tcheca. Meus planos eram mais obscuros do que programação do SBT, mas eu tinha uma forte propensão para ir à capital francesa com o objetivo de aprender francês e comer baguete. Lá se foi então minha mala conhecer a França. E lá fui eu conhecer o resto da Europa…

Então, Londres

O relógio da torre marcava 5h40 quando eu saí da casa de meus tios em Hengelo, na Holanda. Era uma segunda-feira, 10 de outubro de 2011 e eu estava cansado. Nos trinta dias que se passaram desde minha partida de Portugal, eu havia visitado cinco países e uma oktoberfest com três grandes amigos que vieram do Brasil (Andrey, Gabi e Ormeni, SEUS LINDOS!), numa eurotrip mais divertida do que falar mal de ex. Quatro dias antes eu tinha me despedido deles em Amsterdam e, sem outro destino, parti em direção à casa de meus tios, que estavam se mudando na altura para a Holanda para viver lá a trabalho por um tempo.

Torre de Hengelo
A torre de Hengelo

Estava realmente muito frio. Uma garoa fina caía, mas eu não achei que fosse o suficiente para abrir meu recém adquirido guarda-chuva. Havia comprado-o um dia antes: eu sabia que ir para Londres sem guarda-chuva é como ir para o Rio de Janeiro sem seguro de vida. Além de minha ferramenta proteccional contra água caída do céu, eu usava duas camisas, uma calça jeans absolutamente nova (uma vez que minha velha calça havia cedido por completo ao furo que já tomava conta da região glútea) e o mesmo par de botas e a mesmíssima blusa que eu usava quando cheguei em Lisboa, exatos sete meses antes.