No coração da capital mundial dos parques temáticos, cheios de montanhas-russas, atrações modernas, shows suntuosos, áreas planejadas pensadas nos mínimos detalhes, magia e diversão para onde quer que se olhe, fica a recriação literal da Terra Sagrada. Holy Land Experience é um parque temático cristão, localizado próximo aos mundialmente famosos Universal Studios e Walt Disney World.
O parque foi aberto em fevereiro de 2001 pelo russo Marvin Rosenthal, um judeu convertido. O terreno do parque pertence a Marvin desde 1989, mostrando que a idéia de uma recriação da Terra Santa próxima ao Mundo Mágico® já vinha de longe. Rosenthal também é fundador da “Zion’s Hope”, uma entidade dedicada a converter judeus ao cristianismo. Com esse background, no dia da abertura a Holy Land sofreu protestos de grupos judeus.
Holy Land, porém, não ficou muito tempo nas mãos de Marvin: em 2007 ele vendeu a atração para a Trinity Broadcasting Network (uma emissora americana cristã) por um valor estimado de 37 milhões de dólares. Na época, o prejuízo do parque era calculado em cerca de 8 milhões de dólares e a emissora planejava expandir e melhorar as atrações e construir na propriedade uma central de transmissão do canal para a Flórida, além de um estúdio para a produção de filmes cristãos.
O site do parque não dá muitas informações a respeito do que esperar, apesar de reportar alguns milagres, como em outubro de 2015, quando uma mulher com estágio de câncer avançado chegou ao parque usando um andador, mas depois de rezar, largou o aparato e foi vista dançando na sala do espírito santo. Ou Cláudia, que visitou o parque em Setembro e não só levantou de sua cadeira de rodas e voltou a andar como também foi curada de uma surdez ao mesmo tempo. [1]
De terça a sábado ele abre suas portas. Era uma quinta-feira quando visitei, apesar de querer muito ir num sábado e confrontar os funcionários por estarem trabalhando em um dia sagrado, contrariando as ordens bíblicas.
O uber que me levou até lá conhecia o parque, mas eu era o primeiro visitante que ele transportava. Em nossa conversa, ele disse que sua sogra o iria visitar naquele mês e talvez fosse uma boa idéia levar a velha para ter um dia cristão. Ao me deixar no estacionamento ele também desceu do carro para conferir o preço do ingresso:
– Cinqüenta dólares!? – exclamou, assustado com o valor.
– Há pessoas que pagam muito mais para ir para a Disney. – defendeu uma das visitantes que estavam na fila para comprar seu ingresso.
Honestamente, assim que se entra no parque, é difícil entender para onde foi nosso dinheiro. É verdade que tudo é ridiculamente limpo, não há uma bituca de cigarro ou um mísero pedaço de papel no chão. E não se vê limpadores, ele parece ser limpo simplesmente por ser. Todos os funcionários estão vestidos impecavelmente, com roupas romanas, batas, sempre extremamente asseados e sorridentes.
Visitantes eram poucos. Em sua maioria velhos e negros de todas as idades. “O movimento hoje está lento, mas geralmente temos mais pessoas”, disse disse Dave, um dos funcionários que vestia uma bata romana branca e um lenço vermelho na cabeça, “Nas semanas do Natal e Thanksgiving, o parque é completamente lotado. Mal se pode andar. As pessoas ficam ombro com ombro”. Ele trabalha há 15 anos no parque: “Eu adoro trabalhar aqui. Nem sinto que é trabalho. Parece que eu estou todos os dias na igreja.”, disse ele, empregando uma conotação positiva no fato.
E, se há pouca gente, não há também grandes atrações. Há uma mesa de pingue-pongue da Arca de Noé e um mini-golfe bíblico, com nove buracos, cada um retratando uma passagem bíblica – o buraco 8 é o renascimento de Cristo; o buraco 7 é Jesus andando pelas águas; o buraco 2 conta o confronto entre David e Golias e o buraco 3, meu favorito, leva o jogador para dentro da baleia que engoliu o profeta Jonas, onde é até possível ver um boneco do pai do Nemo, para dar um pouco de credibilidade à história para os pequenos miúdos freqüentadores.
Há um museu de bíblias e artefatos sagrados, que inclui com pergaminhos, manuscritos e edições antigas da Bíblia. A coleção é a quarta maior do mundo de sua categoria e as visitas são visitas agendadas, com tempo planejado de percurso fixo em uma hora.
– Não posso percorrer o museu em menos tempo? – pergunto para a atendente, vestida com uma bata roxa na porta.
– Não. As portas e displays são todos automáticos. E depois que você entrar, não é possível sair. – respondeu ela, e eu não sabia se ela se referia ao museu ou à evangelização que eu estava me metendo.
Tal qual nos parques temáticos da região também em Holy Land cada uma das atrações culmina em uma gift shop. Jesus é constantemente vendido: em roupas, canecas, toalhas, sabonetes, canetas, velas, pints de chopp, adornos de mesa… E da mesma forma como parque da Disney vende orelhas de Mickey e sabres de luz, em Holy Land você pode comprar elmos e espadas romanos. As lanchonetes vendem o “Hambúrguer Golias” e Schwarmas de peru.
Mas os grandes destaques são encenações teatrais rodeadas por recriações em menor escala de pontos sagrados da história de Jesus. Eu assisti um deles na suntuosa “Church of all nations”, um auditório circular com capacidade para até 2000 pessoas. A igreja foi construída em 2012 e hoje é um dos pontos principais do parque. A peça, composta de quatro atrizes contando como Jesus mudou a vida delas, era surpreendentemente bem escrita, num trabalho bem feito de roteiro, evidentemente voltado para a doutrinação dos presentes. Em certo momento, uma das atrizes fala sobre uma doença que tinha, citando que “Ninguém podia me curar. Nem os médicos nem os enfermeiros. Mas eles ficaram com todo meu dinheiro, evidentemente.”, numa fantástica inversão de papéis Medicina x Igreja. Uma claque de palmas é tocada em certos pontos da peça para ajudar o público a saber a hora certa de aplaudir.
Outra atração que pude acompanhar foi um tour pelas áreas que representavam a Paixão de Cristo. Um sujeito jovem, vestido de explorador, falava com clareza e desenvoltura, levando as pessoas a pé pelo parque, numa espécie de Jungle Cruise de Jerusalém. Ele apontava as áreas e enfeites como se fossem localidades reais: “E foi ali que Jesus foi crucificado”. Mais uma vez o roteiro do guia parecia incrivelmente informativo e bem escrito, incluindo partes aonde ele citava pesquisas históricas que apontavam incongruências com narrações bíblicas, de forma surpreendente. Parte do tour foi mostrar aos turistas artefatos históricos como réplicas das armas usadas na tortura de Jesus ou réplicas dos pregos usados para prendê-lo na cruz (“Estas são réplicas dos pregos que foram usados na crucificação. Eu sei que há seis deles, então não levem como souvenir!”).
Passando pelas réplicas dos montes e cavernas, ele alertou que algumas pedras ali foram efetivamente trazidas de Jerusalém. “Toque nelas com amor”, disse. E as réplicas parecem realmente bem feitas. “São idênticas, porém bem menores”, disse Tim Rose, um visitante de Lake Butler, uma cidade a pouco mais de duas horas de distância de Orlando.
Tim estava visitando o parque com sua comunidade religiosa, num total de 26 pessoas. Ele já tinha ido para Jerusalém e atuado como missionário em Honduras e na Índia e essa era sua segunda visita à Holy Land. “A primeira vez que eu vim foi há 15 anos atrás.”, disse ele, “O parque tinha metade do tamanho que tem hoje”.
Mas, se o parque não crescer mais em Orlando, parece que a idéia tende a se espalhar pelo mundo. Tal qual a Disney, que possui filiais na Europa, Hong Kong e Tóquio, Holy Land Experience segue com planos expansionistas: o parque “Tierra Santa” já está funcionando em Buenos Aires e há intenções de construir uma filial européia em Mallorca, na Espanha. Estando cercado por complexos temáticos mundialmente famosos que vivem na eterna luta para se reinventar, parece que falta modernidade para Holy Land. Se fosse administrador do lugar, provavelmente implementaria idéias simples, como a montanha russa da via Crucis, um carrossel de bigas, ou um “log flume” aonde você sairia batizado do brinquedo.
E, evidentemente, improvisaria os “meeting and greeting” com personagens, tão populares nos parques da Disney. O mínimo que eu esperava de minha visita era tirar uma foto com Jesus Cristo, então perguntei a um dos funcionários a respeito:
– Há alguma forma que eu consiga tirar uma foto com Jesus Cristo? Ele tem um horário ou algo do tipo?
– Olha… – respondeu ele – às vezes Jesus aparece depois das encenações para abençoar os visitantes e tirar fotos, às vezes não. Mas você pode ficar por aí e esperar ele aparecer.
Apesar de querer muito uma foto com Cristo, eu também queria muito ir pro Magic Kingdom.
E eu não podia deixar de fazer as coisas que eu realmente gosto só por causa de uma eventual possibilidade de Jesus aparecer.
…pensando bem, no fundo, essa é a base das religiões cristãs…