St. Patrick’s Day em Dublin – Parte 2

Este texto é a segunda e última parte de uma história que começou aqui.
Se você não lembra do começo, vai lá ler. Se você não lembra do começo e nem do fim, então você deve estar tão bem quanto eu no dia seguinte.

O feriado de St. Patrick’s é uma festa religiosa (tal como o Carnaval). St Patrick’s foi o maluco que começou a evangelizar os irlandeses. E ele usava o trevo de três folhas para explicar a doutrina da santíssima trindade – um método que me parece bem embriagado de se catequisar alguém.

Guinness Storehouse
O paraíso é ali...

Na manhã do dia 17 de março, acordamos e tomamos um café da manhã composto de Guinness e uma deslealmente apimentada pizza fria. Esperamos pelo Flávio, outro brasileiro que mora com Igor e que estava trabalhando de Smurf naquela manhã no desfile. Foi tempo suficiente para já sairmos embriagados de casa. Quando cheguei no centro de Dublin para a festa, o desfile já havia acabado. Entramos num McDonald’s e compramos duas Sprites que dividimos em 3 copos e misturamos com a vodka. E lá fomos tomando nossa vodka tranqüilamente pela divertida festa verde…

CORTA!

[flash] estamos chegando na casa de um amigo do Igor… “vamos tomar mais alguma coisa na casa dele e depois vamos pra Guinness Storehouse.”

[flash] há algumas pessoas dentro da casa… há vinho também.

[flash] saímos para comprar gelo… peguei também uma ou duas cervejas por pura oportunidade.

[flash] acabou a vodka. Estou comendo o capim que vinha na garrafa.

[flash] vejo uma placa apontando a Guinness Storehouse (a fábrica da Guinness)

[flash] Já dentro da fábrica da Guinness: não sei diabos onde está todo mundo. Mas eu estou atentamente me esforçando para ler um texto sobre como é produzida a Guinness (é lógico que eu não lembro do texto!).

[flash] estou com todo mundo (parece que eu encontrei-os em algum momento) no bar do último andar do prédio pegando uma Guinness.

[flash] estou conversando em espanhol com uma garota

[flash] estou gorfando no banheiro

[flash] acordo numa sala de cinema em algum dos diversos andares do prédio. A mochila que revezávamos carregando está comigo

[flash] estou tomando uma Guinness e cambaleando em um corredor azul procurando todo mundo.

[flash] estou cantando o Hino Nacional e tem alguém filmando. Ah não, essa lembrança é de outra bebedeira…

[flash] as janelas apontam que já escureceu. Descendo as escadas, encontro o pessoal que estava na casa que paramos antes de ir pra lá. Pergunto pelo Igor e pelo Flávio e eles também não tem a menor idéia onde eles estão.

[flash] estou conversando em inglês com uma garota tão bêbada quanto eu e percebo que acabei de também perder o grupo que tinha acabado de encontrar.

[flash] saí da Guinness Storehouse. Uma vez na rua, percebo que eu não tenho pra onde ir, então me pergunto porque saí. Volto a entrar dizendo a um gigantesco e mal-encarado segurança que meus amigos estavam lá dentro. Bom-senso não é o forte dos seguranças irlandeses mesmo, porque ele me leva até a porta e me deixa entrar. Quando entro, vejo os corredores da fábrica da Guinness totalmente desertos e percebo porque saí.

[flash] estou andando aleatoriamente pelas ruas de Dublin… Sei que estou cambaleando e lembro que eu preciso comer alguma coisa… “Olha!!! Um Subway! Certo… eu vou entrar agora nesse lugar, então tenho que parecer tão sóbrio quanto possível e fazer um pedido simples”; respiro fundo, mantenho o foco e entro no Subway. Bato com o ombro na porta e quase caio.

[flash] achei o Ricardo!!! o Ricardo, cacete! no meio da Temple Bar, achei o Ricardo… foda-se o Igor, vou passar o resto da noite com o Ricardo… Ah não… peraí, eu preciso voltar pra casa alguma hora.

[flash] o Flávio me liga. Eles já estão há um tempo em casa. Eu aviso que lá pelas 3h volto também. Justo…

Portão da Guinness
...era assim que eu estava vendo.

Passei o resto da noite de St. Patrick’s andando com Ricardo e seus amigos. A gente deve ter entrado em uns seis ou sete bares na Temple Bar, sempre tomando uma Guinness em cada um. A música irlandesa também te induz a beber. Parece que ela tem acordes gaélicos milenares que te obrigam a virar seu copo. E também tocam muito Johnny Cash (e algum rockabilly).

O critério dos seguranças para deixar você entrar no bar ou não era completamente aleatório: Muitas vezes eles barravam somente uma ou duas pessoas do nosso grupo, com argumentos esdrúxulos como “a casa está fechando” e aí quem ficava de fora usava de táticas brasileiras para entrar, tipo esperar o segurança se distrair com algum outro grupo ou ir até o meio da rua e voltar (funcionava!).

Aproveitando que estava com a mochila, pude desfrutar de outra tradição dos brasileiros em Dublin e roubei dois lindos copos de Guinness. (Rê, eu não costumo roubar copos de bares!)

Todos os bares estavam evidentemente cheios. Até a rua estava cheia com a maior coleção de estrangeiros completamente embriagados que eu já presenciei. Eram bêbados de todas as partes do mundo. Eu lembro que passávamos por diversos grupos de amizade e em algum momento eu estava me passando por um russo chamado Vladivostok ajudando uma moça de Sevilla a se livrar de uns alemães que lhe estavam enchendo o saco (eu JURO que isso é verdade!)

Eram quase 4h30 quando peguei um taxi e fui pra casa (se eu estivesse sóbrio, jamais saberia chegar). Liguei para o Igor para que abrisse a porta para mim. Acordei estranhamente bem no outro dia. Bem o suficiente para abrir uma das Guinness que sobraram do dia anterior enquanto ligava para dois amigos que faziam aniversário (parabéns, Andrey!; parabéns, Giu!).

Durante os quatro dias que passei na Irlanda, os únicos líquidos que ingeri (exceptuando-se alguma água) continham álcool. Em um dos dias, pela manhã, tomei um ótimo café… irlandês. O que me fez bem, pois desobstruiu minha garganta que estava ameaçando ficar irritada. Quando o álcool começa a resolver seus problemas de saúde, é porque você está fazendo algo muito certo ou muito errado na sua vida.

Café irlandês
Café irlandês - um jeito irlandês de beber de manhã sem parecer alcóolatra

Quando parti na manhã de domingo, se meu fígado pudesse se comunicar comigo, provavelmente ele diria algo como “já não era sem tempo!”. O alívio dele em ir embora daquele país alcóolatra era tanto que, internamente, ele nem reclamou da garrafa de uísque que eu comprei no Duty Free do aeroporto.

A Irlanda é um país lindíssimo e um ótimo lugar para se visitar. Mas a minha falta de bom senso provavelmente me mataria se eu vivesse muito tempo por lá.