O assassino da caneta

“E eu fui até a cozinha chorando e Neil disse para mim: ‘O que diabos você tem?’ e eu disse: ‘Bem, eu acabei de matar a pessoa.’”

 A confissão acima caberia muito bem em qualquer julgamento de um assassino frio e calculista. Seria muito apropriada em algum drama que escancara as manchetes dos jornais populares. Alguém mais incauto argumentaria sobre uma legítima defesa, mas a autora da frase agiu por vontade própria contra alguém que não a ameaçava de forma alguma. Ela não se importa, já que poderá ter ao seu lado os melhores advogados, uma vez que estamos falando de uma das mulheres mais ricas do mundo.

A assassina em questão é J.K. Rowling e o defunto referido é Albus Dumbledore, um inocente professor que nunca foi capaz de fazer mal a uma mosca. Nessa entrevista, JK ainda confessou que o crime foi meticulosamente premeditado e que aquilo a chateou profundamente, mas em momento nenhum ela se mostra arrependida.

Quem nunca?
Quem nunca?

O autor é sempre cruel e nunca é julgado. É sempre ele que tem o poder da caneta, a terrível capacidade de selar o destino de muitos, às vezes matando com requintes de crueldade.

No filme “Stranger than fiction”, uma autora está procurando um jeito de matar Harold Crick, um personagem de seu livro. O problema é que Harold Crick realmente existe e ultimamente sofre das mesmas mazelas de seu homônimo supostamente ficcional.

Stranger than fiction
Stranger than fiction

Assim funciona a ficção: mesmo as mortes de causas naturais podem ser caracterizadas como homícidio doloso. Não consigo imaginar um autor de livro assassinando acidentalmente um personagem. Se o inventa e o mata, o assassino é ele. Não precisa ser nenhum Sherlock Holmes para saber que o responsável de sua própria morte sempre foi Conan Doyle – este sim, arrependido (e sem dinheiro), decide ressuscitar o personagem antes que os fãs do detetive efetivamente lhe levassem a julgamento.

Não é necessário um Poirot ou uma Miss Marple: a verdadeira culpada sempre foi Agatha Christie. Cada uma das “Próximas Vítimas” pereceu perante o olhar impiedoso de Silvio de Abreu; Bernard Cornwell começou guerras sangrentas; Machado de Assis deixava todo mundo louco; Stan Lee é o responsável por infernizar a vida de Peter Parker; Shakespeare causava tanto sofrimento que levava os outros ao suicídio; e Stephen Meyer tem personagens muito ruins e não mata nenhum deles, o que talvez seja ainda pior.

Imagino a reação de Cândido se ele finalmente pudesse enfrentar Voltaire. Ou ele explodiria em uma raiva incontrolável ou simplesmente idolatraria àquele que o fez sofrer tanto, como se fosse um pai de família miserável encontrando Deus. “Fui eu que criei e eu faço o que quiser com ele”, seria a alegação do escritor francês ou do advogado dos Nardoni. “Cândido não é real”, diria a defesa, como se isso justificasse qualquer coisa.

“Claro que está acontecendo em sua mente, mas por que isto significa que não é real?”. Ironicamente, essa frase foi proferida pelo mesmo falecido Dumbledore, e poderia ser usada como pretexto para um julgamento contra a autora. Vai chegar o dia em que a justiça será feita e a polícia escocesa baterá à porta de J.K. Rowling e ela finalmente será levada a tribunal pela morte de Dumbledore. A defesa vai alegar que era preciso, que a autora não tinha opções.

E algum dia também, ainda vão levar a julgamento George R R Martin. Aí não existirá juri que o salve. Esse vai pegar, no mínimo, prisão perpétua.