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Aquela senhora devia já ter entrado na casa dos 40 anos. Usava sempre uma saia e os cabelos negros ligeiramente grisalhos sempre se encontravam em um coque atrás da cabeça. Todas as noites de quartas e sextas-feiras ia na livraria, na seção de Literatura Nacional e pegava um livro de contos e crônicas. Lia um ou outro de pé e, se achasse algum que lhe agradasse particularmente, sentava-se numa das confortáveis poltronas da livraria e lia mais alguns contos. Às vezes, gostava tanto de um livro que se dedicava a ele por algumas semanas, sem nunca comprar nenhum, porém.
Um dia, um vendedor a abordou:
– Boa noite, senhora. Já viu o novo livro do Luis Fernando Verissimo?
– Oi, desculpa?
– Luis Fernando Verissimo. Gosta dele, não? – e estendeu um livro na direção dela.
– Eu? – a mulher olhou o vendedor de olhos meio arregalados. Guardou as crônicas de Mário Prata de volta na estante e pegou o livro em mãos, com um olhar meio fascinado. – Gosto sim… Obrigado!
Nas próximas duas semanas, ela lia somente aquele livro em suas visitas à livraria. Na visita em que terminou de ler o livro, cruzou com o mesmo vendedor após guardá-lo de volta na prateleira. Não se conteve em dizer:
– Ótimo livro! Obrigado!
Ficaram amigos e na outra semana, o vendedor recomendou um do Millôr Fernandes também.
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Todos os dias na hora do almoço, o mesmo rapaz ia naquela livraria e tirava da estante o romance histórico que estivesse lendo. Terminava cada livro em algumas semanas e procurava um outro já no dia seguinte, que devorava com a mesma determinação.
Um dia, um vendedor o abordou:
– Bom dia, senhor! Já viu o novo livro do Bernard Cornwell?
– Obrigado, estou só dando uma olhada!
– É o último que foi traduzido da saga do Sharpe. – disse, estendendo um livro.
O rapaz conhecia as histórias de Richard Sharpe, evidentemente. Só naquela livraria, já tinha lido pelo menos quatro livros dele. Olhou com interesse, leu a contra-capa, soltou um “obrigado” baixinho e saiu com o livro. Desta vez, porém, ele foi até o caixa e comprou-o.
Porém ele nunca mais voltou naquela livraria. Num dos horários de almoço, o vendedor o viu sentado no chão de uma livraria concorrente, lendo um Evelyn Waugh.
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– Com licença, esta cadeira está ocupada?
– Oi? Não, não, pode sentar.
O rapaz sentou-se na cadeira ao lado da mulher, que tinha quatro livros no colo, dois eram guias de viagem, um romance clássico e o último era o livro de auto-ajuda do momento, que ela lia com atenção até ser interrompida. Ele trazia consigo um George Orwell. Lambeu o dedo e começou a procurar a página onde tinha parado.
– Odeio isso. – disse ele. A mulher virou os olhos pra ele, em silêncio. – Essa versão é diferente da que eu estava lendo, não dá pra saber direito aonde eu tinha parado assim. Não dá uma raiva quando isso acontece?
A mulher continuou em silêncio. Fechou o livro que estava lendo e pegou o clássico. Abriu na contra-capa e começou a ler.
– Ah! Daniel Defoe! – disse de novo o rapaz, olhando para o livro nas mãos dela. – Se você gosta desses livros mais velhos assim, eu conheço um sebo no centro que tem cadeiras. Não são tão confortáveis quanto essas, são aquelas de plástico, mas tem uma boa variedade de livros, que você não encontra mais nestas grandes redes capitalistas. Eu costumo ir bastante lá. Acho até que a versão deles do “A Revolução dos Bichos” é melhor do que esta aqui.
A mulher, impaciente, fechou o livro, se levantou e foi embora. O homem seguiu ela com os olhos e depois voltou-se ao seu livro, finalmente encontrando a parte onde tinha parado. O que ele mais gostava de ler em livrarias era essas pessoas fantásticas que ele acabava conhecendo. Que mulher!
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O jovem entrou na livraria. Usava um boné e levava uma mochila nas costas. Andou pelo corredor dos autores estrangeiros, até que parou, abriu a mochila, tirou um caderno e uma caneta de dentro e começou a fazer anotações loucamente.
Um vendedor o abordou:
– Olá, senhor! Precisa de ajuda em algo?
Ele parou de escrever, olhou pensativo pro vendedor e disse:
– Não, obrigado.
– Procurando algum livro específico? – insistiu o vendedor.
– Não – disse o rapaz, dessa vez sem parar de escrever – só estou vendo os livros que me interessam, que depois eu entro na Amazon e compro pro meu kindle.
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A arte de se ler em livrarias é uma seqüência de práticas e manhas, adquiridas com o tempo, e cimentadas por muitos erros – que não devem ser repetidos. Nunca vá ao banheiro com o livro, por exemplo; as lojas geralmente têm detectores de furto na porta dos mesmos.
Se você for muito iniciante, comece com algo leve, como um gibi da Mônica. Se você for realmente muito iniciante, comece lendo somente a historinha da última página (de todos os gibis, evidentemente).
Prefira grandes lojas e redes – quanto maior, melhor. Não faça isso em bancas de jornais. Não pega bem.
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Aquele cara era um profissional da leitura em livrarias. Ele tinha até um marcador de páginas e escolhia um livro preferido. Sempre colocava o livro que estava lendo, com o marcador, na última posição, atrás (ou embaixo) de todos os outros. Vez ou outra, tinha um marcador extraviado, mas era um efeito colateral que valia a pena pagar.
Dava sempre preferência pelos recém lançados, que eram fáceis de achar, sempre na mesa da frente da loja. Tinha o objetivo de terminá-los antes de trocarem de lugar nas livrarias. Remanejamento de livros era sempre muito trabalhoso.
– Com licença, você poderia me ajudar? Eu estava procurando o Jeff Lindsay, que sempre ficava naquela prateleira ali.
– Ah… um instante senhor… A gente fez umas alterações no layout da loja! – disse o vendedor.
– É! Percebi!
– Sabe como é – respondeu o vendedor – este final de semana veio a diarista aqui e elas nunca colocam as coisas de volta no lugar, né?
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O profissional de ler em livrarias levava uma vida cheia. Quase não tinha tempo pra nada. Devorava sempre os recomendados pela Livraria Cultura. Ia todos os dias na Apple Store checar seus e-mails e atualizar seu facebook. Algumas vezes, chegou até mesmo a ir tomar banho no SESC.
Mas também sempre arrumava tempo para relaxar: ia assistir TV nas Casas Bahia ou jogar video-game na Fast Shop.
Um dia, estava dormindo tranqüilamente quando foi acordado por uma mulher, que puxou os cobertores de cima dele e começou a sacudi-lo furiosamente:
– Senhor! Senhor! Acorde!
Ele despertou assustado. Levantou-se da cama de sopetão e saiu xingando:
– Isso é um desrespeito! Um desrespeito! Nunca mais volto aqui nas lojas Marabraz!