Morreu Chico Anysio. Bom, ainda não morreu, mas esse blog precisa de atualização e o cara tá demorando demais, lá em cima do telhado só esperando pra ser puxado. Seria uma surpresa enorme se ele vivesse a tempo de assistir O Hobbit.
É inegável que Chico Anysio foi um nome notável no humor nacional, desde seu início de carreira copiando e traduzindo as piadas de grandes nomes do humor americano e inglês, mas também por ter colocado no mundo centenas de personagens (e filhos) engraçados ou não. Ele também colocou no mundo o Bruno Mazzeo, e não tenho certeza se ele merece perdão por isso, mas alguém que casou com a Zélia claramente deve ter algum problema sério de conduta.
O auge de sua carreira e criatividade foi, em minha opinião, a Escolinha do Professor Raimundo. Nos anos 90, a atração conseguiu um horário nobre diário na Globo, onde teve a sua melhor fase (qualquer exibição antes disso deve ser encarada como completamente irrelevante, pelo fato de eu não ter lembranças da época). Apesar do sucesso, muitos pontos do programa ainda me causam um certo incômodo.
É certo, por exemplo, que os idealizadores nunca assistiram uma aula de verdade. Em minha época de colegial, eu e meus amigos de fundo de sala ficávamos imaginando qual seria a reação do resto da classe se, assim que o professor chamasse nosso nome, nos levantássemos, soltássemos algum jargão incoerente e andássemos até a frente da sala, com a pompa e astúcia de um idiota fazendo algo muito engenhoso. Como um bando de adolescentes tímidos, nenhum de nós teve a coragem de fazer isso na época, e essa é uma das coisas que me causarão arrependimento pelo resto da vida.
O professor Raimundo Nonato também era um paspalhão. Todas as suas aulas eram compostas de chamadas orais. O professor raramente ensinava uma lição e as suas perguntas eram tão aleatórias quanto possíveis, alternando bruscamente entre matemática, história, literatura, geografia e conhecimentos gerais. Ele não tinha o menor respeito pela diretora ou pelos níveis hierárquicos da escola. Um verdadeiro ditador. Grande parte do péssimo modelo de ensino brasileiro deve ter sido extraído da Escolinha, com professores que não ensinam, alunos que não querem aprender (alguns que até assistem às aulas bêbados), e que, mesmo assim, seguem passando de ano, somente para continuar perpetuando sua ignorância nas classes seguintes. Assim como nas salas de aula por aí, também na Escolinha os mais legais sentavam no fundo; e os mais legais eram aqueles que nossos pais menos gostavam (Costinha, estou olhando para você).
A atração jamais seria aprovada nos tempos de caga-regras que vivemos, onde Samuel Blaustein seria criticado por anti-semitismo; Patropi seria duramente julgado por sua apologia às drogas; qualquer atitude contra o Seu Peru seria considerada homofóbica e o Paulo Cintura continuaria sendo um imenso chato.
O bullying também foi sempre incentivado pelos alunos (e, por vezes, até pelo professor). Isso provém de uma infinidade de personagens esteriotipados, presentes para gerar piadas fáceis, como o corno, o caipira, o bêbado, o advogado, a loira e qualquer coisa bizarra que alguém estava pensando quando criou o Galeão Cumbica. É graças à Escolinha que aquela garota complexada e anoréxica dos dias de hoje ganhou o apelido de “Cacilda” na infância, personagem interpretada pela Cláudia Jimenez.
Anos depois de seu fim, a Escolinha ainda nos mostra que anos de educação não garantem um futuro. Enquanto seu professor agoniza em seu leito de morte, alguns alunos ainda tentam estudar e seguem sendo expulsos de diversas outras escolas de reputação ainda mais baixa. A maioria, porém, termina jogada na praça, implorando por um trocadilho.
Com tudo isso, a Escolinha do Professor Raimundo era legal pra caramba. Mas Seu Raimundo ainda precisava muito aprender a dar aulas e fazer piadas com o Mestre Lingüiça Professor Girafales. Aquilo sim é que era escolinha.
E o salário, óóó…