Bette Davis v Joan Crawford: Dawn of tretas

É uma época de polaridades. São coxinhas contra petralhas, #TeamCaptain contra #TeamIronMan, Carreta Furacão contra Furacão 2000. Em tempos de tanto ódio e tantos confrontos épicos cinematográficos, é bom relembrar um dos confrontos mais marcantes do cinema: Bette Davis contra Joan Crawford.

Aos fãs da sétima arte é difícil imaginar que os atores e produtores de filmes tenham divergências tão comuns quanto as que nós mesmos possuímos em nosso dia-a-dia no trabalho. Da mesma forma como a gente odeia aquele cara que puxa o saco do chefe ou aquele programador ineficiente que fica escrevendo babaquices em seu blog pessoal ao invés de corrigir a animação do side menu do aplicativo, também no glamuroso ambiente cinematográfico há diretores machistas, atores que não se bicam ou roteiristas que detestam produtores que mexem nas suas idéias. São razões conflituosas tanto ou até mais válidas do que odiar aquele cara do marketing porque ele criticou sua marmita (desculpa se meu macarrão não parece tão apetitoso quanto aquele que sua mãe fazia na Itália, seu maldito).

Alfred Hitchcock, por exemplo, sempre dizia que “Atores são gado”. A atriz Faye Dunaway brigou tanto com o diretor Roman Polanski durante as gravações de Chinatown que em um momento ela atirou uma xícara de urina na cara dele. Rachel McAdams e Ryan Gosling se odiavam tão profundamente durante as gravações de Diário de uma paixão que a melhor forma que encontraram para magoarem-se mutuamente foi começarem um relacionamento.

"magina, miga! você tá linda!"
“magina, miga! você tá linda!”

Mas a treta entre Bette Davis e Joan Crawford foi algo muito mais profundo do que esses fetiches pontuais de mijar em uma xícara e atirar na fuça de um desafeto. Mais do que simples rivalidade, as duas nutriam pela outra um ódio quase irracional.

Ambas as atrizes eram lindas e talentosas. Joan Crawford nasceu em 1904 e Bette Davis em 1908. Joan já era uma celebridade estabelecida quando Bette começava a conhecer o sucesso. Bette então sentia um certo ciúmes do exacerbado interesse jornalístico da imprensa na vida de Joan. E, mais do que isso, ela tinha ciúmes de Clark Gable, com quem Joan teve um caso após o divórcio de seu primeiro marido.

Bette Davis
Bette Davis

Mas as coisas começaram a ficar perigosas em Dangerous (rá!), filme de 1935 que garantiu o primeiro Oscar para Bette Davis. Na película, a atriz fez par romântico com Franchot Tone, por quem ela se apaixonou perdidamente. Na época, porém, Joan Crawford era um sexy symbol e a mais renomada estrela da MGM. Joan convidou o galã para um jantar e o recepcionou em seu solário completamente nua. Sabe quantas vezes isso já aconteceu comigo?

Franchot Tone, provavelmente encantado com a idéia de namorar alguém que possui um solário, ficou perdidamente apaixonado por Crawford. Evidentemente, Bette Davis se mordia de ciúmes, como ela mesma admitiu anos mais tarde:

“Ele estava loucamente apixonado por ela. Eles iam almoçar juntos… ele retornava ao set com a cara coberta de batom. E fazia questão que soubéssemos que era o batom da Crawford. Ele estava orgulhoso de ter essa grande estrela apaixonada por ele. […] Ela roubou ele de mim. Ela fez isso deliberadamente, com frieza e crueldade. Eu nunca a perdoei por isso e jamais a perdoarei.”

Franchot e Joan se casaram. Relacionamento de famoso nunca dura e esse caso não foi diferente. Os dois se separaram três anos depois, em 1938, mas a animosidade entre as duas perdurou muito mais. Na altura, Bette ganhava seu segundo Oscar e já havia se tornado uma celebridade maior do que Joan. Ela mantinha um olhar superior à Crawford, a considerava “um manequim com sobrancelhas que parecem taturanas africanas” e acusava que ela “dormia com todas as estrelas da MGM, de ambos os sexos, exceto Lassie”. O recalque de Bette, porém, batia nas sobrancelhas de Joan e voltava.

Joan Crawford
Joan Crawford

Tanto que com o tempo, Joan foi tomando de volta seu espaço de celebridade: em 1943, ela encerrou seu contrato com a MGM e assinou com a Warner, estúdio aonde Bette trabalhava. Tudo ficou mais divertido depois disso: agora as duas podiam disputar os mesmos papéis, e se ofender mutuamente na cozinha da firma ou no almoxarifado. Pra ajudar, Joan exigiu um camarim ao lado do camarim de Bette, aonde enviava flores e outros presentes a Davis, que recusava tudo e ainda alegava um assédio lésbico. Em 1945, Joan Crawford ganhou o Oscar pela sua atuação em Mildred Pierce, em um papel que Bette Davis recusou. A essa altura, a rixa entre as atrizes já era notória e ambas seguiram trocando ofensas, cada uma desdenhando da carreira, papéis, vida amorosa e até dos filhos da outra.

What ever happened to baby Jane?

O tempo não apaziguou o ânimo das inimigas, mas diminuiu o interesse do público pelas atrizes. Tanto que na década de 60 ambas viviam uma fase de decadência. A beleza havia abandonado-as e elas deixaram de ser nomes atrativos para uma boa bilheteria. Elas precisavam de algo grande para reestabelecê-las no cenário cinematográfico. Em 1962 então, concordaram em participar do mesmo filme. Dizem que a idéia surgiu de Joan Crawford, mas os méritos finais acabam sendo de Robert Aldrich, que produziu e teve que dirigir ambas as atrizes.

Assim, What ever happened to baby Jane? acabou ficando mais famoso pela produção do que pelo conteúdo. O filme conta a história de duas irmãs, atrizes decadentes aposentadas, que se odeiam e são obrigadas a conviver na mesma casa. Parece um reality show, mas certamente o roteiro do filme não faz jus à realidade.

what ever happened to baby Jane?
what ever happened to baby Jane?

As gravações rapidamente se tornaram um inferno. Todas as noites as duas atrizes reclamavam uma da outra ao diretor (o que ele esperava?). Na época, Crawford era casada com o presidente da Pepsi e providenciou uma geladeira do refrigerante para todos no set. Davis, entretanto, fez questão de solicitar uma geladeira de Coca-Cola em seu camarim. Bette ainda descobriu que a garrafa de Pepsi que Joan sempre carregava consigo era fortemente batizada com vodka, o que a deixou revoltadíssima: “Aquela puta passa metade do tempo bêbada! Como ela faz uma merda dessas em um filme comigo?”

A maior preocupação envolvia uma cena aonde Bette Davis devia bater em Joan Crawford. A raiva entre as duas era tão grande que Crawford pediu que uma dublê fosse usada nas gravações. Durante uma tomada próxima, entretanto, a dublê não poderia ser usada e Bette aproveitou o momento: a outra teve um arranhão tão forte na testa que precisou levar pontos. A vingança de Joan veio na cena seguinte, quando Davis devia arrastar o corpo de Joan pelo set. Consciente de um problema nas costas da inimiga, Joan deixou seu corpo tão pesado quanto possível, chegando a encher seu bolso de pedras e a usar um cinto especialmente mais pesado. Ao fim da gravação da cena, Bette Davis chorava de agonia enquanto Joan foi se recolher calada a seu camarim.

Cena aonde Bette Davis puxa o corpo de Joan Crawford. Joan Crawford deve ter ido numa churrascaria previamente, como preparação para a cena.
Cena aonde Bette Davis puxa o corpo de Joan Crawford. Joan Crawford deve ter ido numa churrascaria previamente, como preparação para a cena.

Quando lançado, o filme foi sucesso de bilheteria – afinal, o pessoal adora um barraco – e aclamado pela crítica. Bette Davis foi indicada ao Oscar de melhor atriz, mas Joan Crawford não. Na noite da premiação, quando o nome de Anne Bancroft foi anunciado como a vencedora, é de se imaginar a surpresa de Bette Davis ao ver Joan Crawford passar por ela e se dirigir para o palco, com um olhar triunfante e receber o Oscar no lugar da outra atriz. Joan, além de ter feito campanha contra a rival, assediou diversas das concorrentes pedindo para que fosse receber o Oscar no lugar delas em caso de vitória. Sabe-se lá porquê, Anne Bancroft aceitou a proposta e Davis naquela noite olhava embasbacada sua maior inimiga brilhar no seu lugar.

As duas continuaram se odiando até o fim de suas vidas. Joan Crawford morreu em 1977 e Bette Davis não se pronunciou sobre a morte da adversária e não compareceu em nenhuma das cerimônias fúnebres. Anos mais tarde, ao ser perguntada sobre a falecida desafeta, ela respondeu:

Você não deve falar coisas ruins sobre aqueles que morreram, só algo bom. Joan Crawford morreu… Que bom.

Bette Davis morreu em 1989.

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Quotes:

  • “I wouldn’t piss on Joan Crawford if she were on fire.” ~ Bette Davis
  • “Miss Davis was always partial to covering up her face in motion pictures. She called it ‘art.’ Others might call it camouflage — a cover-up for the absence of any real beauty.” ~ Joan Crawford
  • “Why am I so good at playing bitches? I think it’s because I’m not a bitch. Maybe that’s why Miss Crawford always plays ladies.” ~ Bette Davis
  • “Bette will play anything, so long as she thinks someone is watching. I’m a little more selective than that.” ~ Joan Crawford