E, de repente, todo mundo gosta de salada…
O tomate é uma fruta (há controvérsias), da espécie Solanum lycopersicum e da mesma família do pimentão e da pimenta (que, supostamente, também seriam frutas). Devido ao aumento do preço nos últimos meses, o fruto, conhecido na Alemanha como “maçã do paraíso”, virou sensação nas redes sociais e na mídia. Afinal, depois que se transformou em sinal de status, todo mundo passou a gostar de salada.

Mas a história do tomate é muito mais ampla e interessante do que parece. Pra começar, não é só o preço que é venenoso: O caule e as folhas possuem glicoalcalóides, uma substância tóxica que causa fraqueza, confusão e pode levar ao coma e à morte.
Robert Johnson
A bem da verdade, durante muito tempo na América, acreditou-se que o tomate era mortalmente venenoso. Até o dia 26 de setembro de 1920, quando o Coronel Robert Gibbon Johnson, um cidadão honorário do condado de Salem, em New Jersey, subiu as escadarias da prefeitura e, na frente de um público que acredita-se ter chegado a milhares de pessoas, fez um ato de coragem desmedido para os padrões da época e comeu um tomate inteiro. Inteiro.
Consigo imaginar a sociedade conservadora tomatofóbica da época, abismada com a ousadia daquele rapaz, xingando muito nos pombos correios e postando revoltadas mensagens em muros com os dizeres “Robert Johnson não me representa”. Um camponês da época iria declarar “Aonde vai parar esta sociedade? Hoje comemos tomates e amanhã homens estarão fazendo sexo com outros homens!”
Evidentemente, o senhor Johnson não morreu (não naquele dia e não por causa de comer tomates – espero), e o povo (mesmo aquela parcela mais religiosa da população) começou a perceber que tomate não é venenoso e, mesmo que alguém não gostasse dele, ter outra pessoa comendo não afeta em nada a liberdade alheia, e continuaram suas vidinhas, agora com ketchups, bolonhesas e molhos de pizza presentes numa sociedade evidentemente mais feliz.
Michel F. Corné
Mas muitos rumores ainda correm acerca dos feitos de nosso herói tomateiro nas Américas. Outro nome costuma vir à tona nos livros vermelhos de história: Michel Felice Corné, um pintor italiano que havia imigrado de Nápoles e tem a pedância de se auto-proclamar pioneiro do tomate no continente.
Nas palavras de Corné:
“There […] is that potato. He grows in the dark, or in the damp cellar with his pale, lank roots; he has no flavor; he lives underground. But the tomato: he grows in the sunshine; he has a fine rosy color, an exquisite flavor; he is wholesome; and when he is put in the soup, you relish him and leave nothing in the plate.”
Não há contra-argumentos para refutar tão bela poesia tomatal.
Habemus tomateus
A sociedade aprendeu a amar os tomates. Abraçamos a cultura tomateira, seja nas nossas salada, na bruschetta, na massa, nos molhos ou em formato de ketchup, deliciando nossos hamburgueres e nossos hot dogs (por favor, não coloque ketchup na pizza, cara).
A fruta continua polêmica, sendo agora o bode expiatório da sociedade brasileira no quesito “crescimento absurdo de preços”. O tomate hoje é o Marco Feliciano dos hortifrutis: da mesma forma que o pastor concentra nele as revoltas que deveriam ser divididas por uma centena de políticos, o tomate agrupa a manifestação popular à inflação que atingiu, na verdade, um milhar de produtos.
Tomate é pop. É herói e vilão. Já imagino um remake nacional de “O ataque dos tomates assassinos”, estrelando Selton Mello.
No filme de 1978, um grupo de cientistas tenta salvar o mundo de tomates. Mais ou menos o que nós tentamos fazer hoje no facebook.

No começo do filme, um helicóptero planava por uma plantação de tomates quando sofreu um acidente real: o rotor tocou o chão, a máquina girou descontroladamente no ar por três vezes antes de cair e começar a pegar fogo. O diretor John De Bello aproveitou a oportunidade, posicionou os atores para sobreviverem à tragédia e atribuiu a queda do mesmo ao ataque violento dos frutos assassinos, casando perfeitamente com o resto do enredo do filme.
O piloto sobreviveu e a cena ficou perfeita – custando ela sozinha, mais do que o orçamento do resto do filme inteiro.
La Tomatina
Por falar em guerra e tomates, “La Tomatina” é a maior guerra de tomates do mundo, acontecendo todos os anos, sempre na última quarta-feira de agosto, na cidade de Buñol, a 50km de Valencia, na Espanha.
No ano de 2011, eu viajei por 837km, atravessando a Andaluzia, dormindo na rua e em estações de ônibus, totalizando oito dias de viagem (contando ida e volta) para poder participar da guerra. Hoje, talvez fizesse o mesmo, mas ao invés de atirar tomates nos outros, guardaria-os nos bolsos.
Após passar por Sevilla e Granada, cheguei na quente manhã do dia 31 em Valencia, e peguei o ônibus direto para Buñol, onde as ruas já estavam sendo tomadas por cerca de 40.000 soldados hortifrutigranjeiros, a maioria trajando roupas brancas e óculos de natação. Na praça principal da cidade, o primeiro desafio aos participantes é escalar um pau-de-sebo para pegar um presunto no topo. O vitorioso, além de levar o presunto para casa, ganha também os louros da vitória e a aclamação popular, sendo levado de mão em mão pelas ruas, no que deve ser também o maior mosh do mundo.

Às 11h, um tiro de canhão marca o início da guerra, quando cinco ou seis caminhões levando tomates passam pelas ruas do centro da cidade, homens em suas carrocerias atirando o fruto em todos, que atiravam de volta, que atiravam uns nos outros, numa guerra louca e terrível que dura exatamente uma hora, quando um outro tiro de canhão marca o fim da batalha e todos (teoricamente) devem parar de atirar tomates.

No ano que estive lá, 120 toneladas do fruto foram usados na guerra – que, ao preço do quilo do tomate hoje em São Paulo, dá o incrível valor de quase R$1 milhão.
Então, saibam que eu já andei por aí atirando R$1 milhão nos outros. Reclamem disso agora e parem de fingir que vocês comem salada!

Fontes:
The Tomato in America: Early History, Culture, and Cookery by Andrew F. Smith
Acidente no “Ataque dos tomates assassinos”
Agradecimentos:
Vanessa Barbara & sua Hortaliça e Juliana Almeida;
…e Boris, um alemão que conheci na Tomatina e me acolheu em sua casa durante minha estadia em Valencia, após o seguinte diálogo: “Você mora em Valencia? Posso dormir na sua casa hoje?”